segunda-feira, 7 de julho de 2014

Praça cheia em Vila Franca: muitos hinos, tanto mérito!

Praça cheia. Quem disse que o público não ia ver corridas mistas?...
Sete estampas os toiros de Ribeiro Telles. Triunfo da ganadaria!
Mais uma lição de António Telles, depois da antológica lide de Lisboa!
Lide enorme de João Telles no quinto toiro da corrida, com quase 700 quilos!
Manos Telles na arena, ovação ao triunfo da ganadaria!
O pegão do cabo Ricardo Castelo em tarde de grande êxito para os Amadores
de Vila Franca de Xira, três pegas à primeira a toiros de verdade!
António João Ferreira; decisão, ambição, a sede do triunfo (alcançado!)
Nuno Casquinha: mérito, muito mérito, enorme valor
Filipe Gravito recebeu a alternativa de bandarilheiro. Esteve brilhante a receber
o primeiro toiro da corrida (lidado a duo pelos Telles), imponente a bandarilhar
o toiro do doutoramento. Comiveu-se até às lágrimas. Emílio esteve em cima
do acontecimento e a seguir vamos mostrar-lhe todas as fotos
Verdade e emoção: Joaquim Oliveira!
Técnica e muito mérito: Rodolfo Barquinha!
Arte e poderio: Cláudio Miguel!
... e que pena continuar de portas fechadas o emblemático Restaurante
"O Redondel"... que saudades!


Miguel Alvarenga - Na manhã de ontem, quando enviou à comunicação social os pesos (assustadores!) dos toiros de Mestre David Ribeiro Telles para a corrida da tarde na "Palha Blanco", a empresa "Tauroleve" prometera "um hino pleno ao Toiro Bravo". E cumpriu. Mas ontem houve muitos mais hinos na arena de Vila Franca. Um hino à arte de bem tourear a cavalo, entoado pelos Ribeiro Telles, António e o sobrinho João. Um hino à arte de bem pegar toiros, cantado pelos Amadores de Vila Franca. Um hino ao mérito de dois valorosos matadores de toiros e ao futuro do toureio a pé. Um hino à arte de bandarilhar, temos os melhores bandarilheiros do mundo. Um hino à garantia de que vamos continuar a tê-los, entoado pelo jovem Filipe Gravito em tarde de brilhante alternativa. E um hino à aficion de Vila Franca, um público que vibra e sente o toureio a pé e que ontem encheu as bancadas da "Palha Blanco" como há muito as não víamos cheias nestas tradicionais e tão portuguesas festas do Colete Encarnado - um verdadeiro hino ao Campino e à lezíria, ao cavalo e ao toiro. A um outro Portugal que teima e resiste em manter cultos e tradições centenárias. Por fim, justiça para todos - um hino à seriedade, à dinâmica, ao empenho e à verdade de uma empresa, a "Tauroleve", de uma Família, pai Augusto e filhos Ricardo e Rui Levesinho, que com muito esforço e uma determinada dedicação, lograram por fim restituir o brilho, o carisma e a mítica da praça de Vila Franca.
A corrida de ontem foi daquelas que deixam história, que fazem aficionados e que "apetece ver outra vez". Os toiros, toiros de verdade, de Mestre David, deram emoção, trouxeram perigo, imponentes, verdadeiras estampas, astifinos os lidados a pé, toiros impróprios, diga-se em abono da verdade, para matadores, sem a sorte de varas. António João Ferreira e Nuno Casquinha e os bandarilheiros que cumpriram com inegável brio e imenso pundonor, muita arte e invejável valentia, os tércios de bandarilhas, tiveram o mérito de estar ali diante de toiros que provocam calafrios nas bancadas, suscitam suspiros de ansiedade e devolvem à Festa a emoção, o perigo e a verdade que tão arredados têm andado.
O que ontem ali aconteceu foi o regresso da verdade e da essência pura do que deve ser uma corrida de toiros. Tal como na quinta-feira com os Grave em Lisboa, houve outra vez toiros à antiga na "Palha Blanco". O que ali todos vivemos ontem foi o espírito autêntico e sem "martingalas" da corrida de toiros, tão adulterada nos últimos anos por obra e graça dos toirecos da corda, da ausência de perigo, da escassez de emoção. Assim, sim. Assim, vale a pena ser aficionado. São empresas, toiros, toureiros e forcados como estes que podem devolver à Festa o seu carisma, o seu glamour e a sua emblemática emoção. Aos poucos, tudo isso tem vindo a ser recuperado. Já era tempo de pôr um travão aos toirinhos fáceis, aos toureiros que querem toiros para brincar e não para tourear. Um olé bem alto a Vila Franca, à empresa dos Levesinho e aos toureiros e forcados, aos ganadeiros, que ontem contribuiram para recuperarmos todos os sentimentos que andavam adormecidos, perdidos, escamoteados e deturpados numa assustadora facilidade, numa gritante falta de emoção. Assim, sim. Assim, vale a pena voltar a ser aficionado!
E creio que disse tudo. Mas mesmo assim, vou lembrar mais algumas coisas. Os Telles abriram a corrida a duo e apesar de as lides a dois não serem propriamente a forma desejável de se ver o toureio a cavalo, a verdade é que tio e sobrinho imprimiram ritmo e dinâmica, tiveram música e o espectáculo resultou.
Nos toiros a sós, esteve enorme António, repetindo o triunfo de Lisboa, reafirmando que este é o seu melhor ano, ensinando, outra vez, como se toureia de verdade a cavalo, coisa única, momento fantástico, público de pé, arte, arte e mais arte. Valor. Carisma. Um Mestre.
Respondeu João ao tio com uma lide magistral, frente a um toiro imponente com quase 700 quilos e que veio acima de ferro a ferro. O jovem Telles cresceu, impôs a sua raça, entrou pelo toiro dentro, cravou ferros de antologia. Tarde inspirada, glória na Vila Franca que é deles, já dizia o saudoso Bacatum que os Telles estão para Vila Franca como Curro Romero para Sevilha e a profecia continua a cumprir-se.
Grandes, grandes, os Forcados de Vila Franca. Com toiros de verdade e de emoção, houve grandeza, senhorio, toureria e a usual valentia na nobre arte de pegar toiros, sempre tão bem representada pelos Amadores de Vila Franca. Foram ontem forcados de cara, todos à primeira, Rui Godinho, o cabo Ricardo Castelo e o veterano Ricardo Patusco, que fez um pegão, mas infelizmente saíu lesionado numa perna. O grupo esteve enorme nas ajudas. Como sempre.
Agora o toureio a pé.
O toureio a pé está vivo, tem valores e, mais importante que isso, tem futuro em Portugal. É preciso é ter cabeça, saber fazer, saber montar cartéis, ter rigor e eficácia ao assumi-lo. E é preciso, primeiro que tudo, saber onde se podem montar corridas com matadores. A corrida mista era a corrida-modelo nos anos 60 e 70. Depois foi abafada pelo grito dos novos cavaleiros, pela fase de euforia que nasceu da revolução mourista e dos que a seguiram, no final da década de 70. Mas a verdade, que alguns não querem ver (os empresários, sobretudo), é que o toureio a pé tem público. Mas tem-no apenas e só em algumas praças. Lisboa, Vila Franca e Moita serão as três principais. E é por aqui que pode renascer de novo a paixão pelos matadores. Não esqueçam isso, não entrem noutras aventuras desajustadas. Quem te avisa, teu amigo é.
Ontem na "Palha Blanco", o público viveu emoções de outros tempos com a actuação dos toureiros a pé, repito, dos matadores e dos valorosos bandarilheiros. O público não arredou pé, não saíu da praça quando terminaram de actuar os cavaleiros, ficou até ao fim e ainda bem que ficou, que a última faena de Nuno Casquinha, ao menos bom e mais "manhoso" dos toiros, com 595 quilos (credo!), uma montanha de perigo, ainda para mais sem picadores, foi um grito de valor e de afirmação, um grito de mérito de um jovem matador que em boa hora regressou ao nosso país, depois de ter estado uns anos radicado no Perú. Foi um hino de garra, de valentia, de raça e de ambição. Esteve Casquinha valente como os heróis, deu a cara, impôs-se, disse bem alto: "Estou aqui!".
Se já estivera um "toureirazo" no seu primeiro toiro (515 quilos), no segundo esteve enorme, importante, a provar tudo aquilo que escrevi antes: o toureio a pé tem valores e tem futuro entre nós.
A mesma mensagem deixou-a António João Ferreira nos dois toirões que enfrentou, com 515 e 585 quilos, respectivamente, astifinos, com perigo. Imenso mérito, grande afirmação, determinação e arte, com uma dose incrível de valor.
À imponência e à violência dos toiros, respondeu Ferreira com a estática impressionante da sua franzina figura, pés parados, coração de gigante, "aqui estou", disse também e depois abriu o livro, desenrolou experiência e técnica, parecia ele um toureiro muito toureado, cheio de ofício, de entrega, de vontade - e também de ambição.
Colhido quando entrou "a matar" o seu primeiro, depressa se levantou e mesmo magoado (sofreu um corte num dedo), de pé se voltou a pôr, destemido, num desplante de ousadia e de garbo. Recolheu à enfermaria depois de dar aplaudida volta à arena. E voltou. Voltou para triunfar no sexto da ordem, de novo se agigantou e se impôs, como que a dizer, insisto, não me canso de insistir: o toureio a pé tem futuro em Portugal! Assim acreditem as empresas, assim haja eficiência e rigor na montagem das corridas com matadores. Nos sítios certos, repito.
Tarde de louvor e de triunfo para os toureiros de prata. Enormes, evidenciando poderio, arte e valor com as bandarilhas, estiveram Joaquim Oliveira e Rodolfo Barquinha no segundo toiro da tarde, Manuel dos Santos "Becas" e Filipe Gravito no terceiro, tendo este último recebido a alternativa em tarde que há-de recordar para sempre. Comoveu-se, agradeceu a mais calorosa das ovações, esteve grande o jovem toureiro de Salvaterra, que pertence à quadrilha da cavaleira Ana Batista, mas que ontem disse que pode, e deve, ombrear com os melhores em corridas a pé.
No sexto toiro, voltou a brilhar Barquinha (enorme!) e o pequeno-grande Cláudio Miguel (extaordinário), que muito merecidamente se demonteraram para agradecer as justas ovações de um público que lhes reconheceu o mérito de terem feito o que fizeram e terem brilhado como bilharam diante de toiros que podem matar. Mérito, imenso mérito. Dois grandes toureiros.
O último toiro foi bandarilhado exclusivamente por Manuel dos Santos "Becas", face à ineficácia do outro interveniente.
Excelente intervenção, também, nas lides a cavalo, dos bandarilheiros (peões de brega) Ernesto Manuel, João Ribeiro "Curro", Nuno Oliveira, João Curto e António Telles Bastos.
Uma palavra final para o triunfo da ganadaria Ribeiro Telles. Sete toiros magníficos, exceptuando o último, que justificaram os aplausos permanentes do público, quer à saída, quer na hora da recolha e também a chamada à arena, no quarto, dos irmãos João e Manuel Ribeiro Telles, representantes da divisa de seu Pai, Mestre David.
Em corrida e festa de louvor ao Campino (muitos nas bancadas, como sempre, brindados até pela forcadagem), um aplauso ao labor e à eficiência dos campinos "Café" e "Janica". Deram aplaudida volta à arena no quinto toiro com João Telles.
Mais de três quartos de casa, praça cheia, em corrida muito bem dirigida, como sempre, por Manuel Gama, com o rigor e a aficion que caracterizam um dos melhores directores de corrida do momento, ontem assessorado pela médica veterinária Drª Francisca Claudino.
Ao início da função guardou-se um minuto de silêncio em memória do Maestro José Falcão, vítima de colhida mortal em Barcelona há 40 anos (Agosto de 1974) e a Câmara e a Misericória de Vila Franca, proprietária da praça, prestou-lhe homenagem com a presença na arena de seu irmão, Osvaldo Falcão, a quem depois também brindaram as suas lides os matadores.
Tarde grande, uma corrida para recordar. Valeu a pena!

Não perca hoje, aqui no "Farpas", a fotoreportagem de Emílio de Jesus: os Momentos de Glória, a colhida de António João Fereira, a brilhante alternativa de Filipe Gravito, a verdade com que ontem se toureou e bandarilhou em Vila Franca - e os Famosos que por lá estiveram.

Fotos M. Alvarenga