sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Campo Pequeno, ontem: noite de apoteose do toureio a cavalo

Bem no primeiro toiro, magistral no segundo, João Moura parecia outra vez
um menino à procura de um lugar ao sol. Casta, raça, valor e maestria - foi o
que o Maestro passeou ontem à noite pela arena do Campo Pequeno. Duas lições
de se lhe tirar o chapéu!
Num toiro melhor (o seu primeiro) e num toiro complicadíssimo, que exigia e
transmitia, sem facilitar, vimos ontem abrir-se o compêndio de sabedoria
de António Ribeiro Telles
O Campo Pequeno levantou-se ontem a aplaudir as duas grandes e valorosas
actuações do todo-poderoso Luis Rouxinol, a mostrar como se toureiam os
toiros complicados e a dizer que pode com todos e tem argumentos para tudo



Miguel Alvarenga - Qual Agosto, quais férias, qual data complicada... os Maestros encheram ontem a praça do Campo Pequeno. Encheram-na por serem Maestros. Ela encheu-se porque já é moda estarem cheias as nocturnas do Campo Pequeno. Esta é, sem dúvidas, a mais sensacional das últimas temporadas. E, como eu disse no princípio, e houve atém quem não gostasse (haverá sempre...), não será propriamente o caso de o resto ser só paisagem, mas a verdade é que as grandes corridas, as grandes emoções e os momentos marcantes deste ano de 2015 estão todos acontecer no Campo Pequeno - e só no Campo Pequeno.
Ontem, João Moura, António Telles e Luis Rouxinol pareciam três gaiatos a dar os primeiros passos e com uma ansiedade e uma necessidade loucas de se afirmarem, de mostrarem que valem e que podem andar. Foi a noite da apoteose do toureio a cavalo. E velhos... são só mesmo os trapos.
Os toiros de Santa Maria ajudaram certamente ao sucesso e ao ritmo em que decorreu toda a corrida. Destacaram-se o primeiro, o segundo e o quarto. Os restantes foram mais reservados, mais complicados e a dificultar. Mas o curro, na generalidade, de apresentação excepcional, trouxe emoção à praça. Os toiros transmitiram, exigiram, pediram contas a quem os enfrentou. Não foram toiros para meninos...
João Moura deu o mote, a abrir a noite, para uma competição que viria a confirmar-se aguerrida. Trinta anos depois, os três Maestros continuam iguais a si próprios, com a mesma garra, a mesma casta - e a mesma vontade. Ninguém cruzou ontem os braços.
A primeira actuação de Moura foi correcta e marcada por pormenores de brega e de lide com a marca da casa, que é e continua a ser a marca da diferença - ainda e sempre.
No quarto da ordem, o Maestro deslumbrou pela casta, pela raça, pela entrega, pelo temple, pela arte, coisas que não têm fim e que crescem a todo o momento na alma de um Toureiro para a História. Outra vez o "Niño Moura" de outras eras. Outra vez a praça de pé, a aplaudir, a pedir mais.
António Ribeiro Telles pôde dar a verdadeira dimensão da sua séria e clássica interpretação do toureio a cavalo no seu primeiro toiro, em que lidou e cravou de alto a baixo, reunindo na perfeição, ensinando. Ensinando, sim, que com ele aprende-se.
Em segundo lugar enfrentou um toiro mansote e reservado, que se adiantava e a que deu a volta por obra e graça do seu saber, da sua maestria. Foi uma lide de valor pelo perigo que o toiro punha no momento de investir, pela emoção que António transmitiu ao público sempre que o abordou com verdade e com ousadia para cravar os ferros. Uma lição.
Grandes lições foram as duas actuações de Luis Rouxinol, que teve ontem o azar de bailar com as mais feias. Sairam-lhe os dois toiros mais difíceis, daqueles que nenhum toureiro merece e que não eram flores que se cheirassem. À custa de muito porfiar, de muito arriscar, de fazer tudo o que podia e devia e mais não lhe era exigido, Rouxinol reafirmou - não era preciso, todos lhe reconhecemos o valor - a maestria do seu toureio. Pode com todos os toiros e tem argumentos para tudo e mais alguma coisa.
A sua primeira actuação foi um verdadeiro assombro. Pela forma como resolveu todas as dificuldades impostas pelo manso, mas sério toiro de Santa Maria. Valha-me Santa Maria, teriam dito muitos, mas ele não. Foi-se à luta com um pundonor, uma raça e um profissionalismo - que significa o maior dos respeitos pelo público - e triunfou. Um triunfo que valeu mais por ter sido com a "encomenda" que foi.
E a história repetiu-se no último toiro da noite, outra "prenda" a que o valente e todo-poderoso Rouxinol deu também a volta, como se as coisas fossem fáceis, como se tudo o que fez não tivesse, com um toiro assim, fechado em tábuas, que esperava e se arrancava para o "comer", um valor acrescido - e não satisfeito, arriscou ainda um par de bandarilhas, que colocou de modo imponente, magistral mesmo, já todo o mundo estava de pé, em delírio, a pedir mais, a aplaudir, a consagrá-lo como Maestro entre os Maestros. Foi importante. E há que destacar que enfrentou os seus dois toiros praticamente por conta própria e com raríssimas intervenções dos seus bandarilheiros.
Importantes foram também as pegas, que os toiros bateram e não foram pêras doces, bem pelo contrário. Três grandes grupos de forcados num ano que está a ser marcado pelos valentes das jaquetas de ramagens e pelas pegas que já fizeram história no Campo Pequeno e noutras praças. O mote deu-o Marcelo Loia na Corrida TV de Lisboa e a verdade é que, depois dessa pega histórica, parece que os forcados se encastaram e estão agora a viver o melhor ano de sempre. Ontem, voltou a haver emoção e pegas incríveis.
Estavam em praça os grupos de S. Manços (a assinalar 50 anos de actividade), os de Moura (Real Grupo, assim designado por honraria concedida por S.A.R. o Duque de Bragança) e os Amadores da Chamusca.
Pelos de S. Manços, pegaram João Fortunato (um pegão ao segundo intento) e Pedro Fonseca (na pega da noite, à primeira), havendo que destacar que, a ajudar, o grupo teve nota altíssima no Campo Pequeno.
Pelo Real Grupo de Moura foram caras Xavier Cortegano (à segunda, mas numa pega fantástica) e o cabo Valter Rico, que dobrou (ao primeiro intento e numa pega tecnicamente perfeita) o lesionado João Cabrita, que recolheu à enfermaria e depois ao hospital para ser examinado, sem haver sofrido, felizmente, nenhuma lesão de maior gravidade. Merecia o cabo dar a volta, aliás, autorizada pelo director de corrida, mas recusou-a.
Pelos Amadores da Chamusca foram caras João Vasconcelos (numa rija pega à segunda) e fechou praça Luis Isidro, à terceira, não dando volta à arena.
Mas apesar de só ter havido uma pega à primeira, há que destacar as seis como grandes pegas a toiros que exigiam e que deram grande emoção.
Destaque para o esforçado labor, sobretudo na colocação para as pegas, dos brilhantes "toureiros de prata" que ontem coadjuvaram as lides: João Ganhão e Nuno Oliveira, João Ribeiro "Curro" e António Telles Bastos, Josué Salvado e David Antunes. Olés para todos eles. Toureiros dos pés à cabeça. 
Ontem houve verdade e houve toiros a sério. Mais bravos, menos bravos, mais mansos, menos mansos, mas a transmitir e a exigir. Já chegava de tanta facilidade, de tanto "nhoc-nhoc" nos últimos anos (quanta razão teve o João Salgueiro naquela célebre entrevista que tanto deu que falar e onde falou desses "toirinhos da corda"...). A verdadeira essência da Festa Brava, a luta de vida e de morte que foi durante anos e anos a razão de ser desta arte ancestral, está de volta. E isso pode ser a justificação para as praças cheias que se têm visto. O público aficionado está outra vez de regresso às praças. E o Campo Pequeno tem sido o motor dessa transformação. Por todas as emoções que ali se têm vivido e vão continuar a viver nas próximas corridas. O mano-a-mano Moura/Telles, no próximo dia 3 de Setembro, será, sem dúvida, mais um marco de uma temporada que tem sido verdadeiramente sensacional na primeira praça do país. Melhor era impossível.
No camarote vip, presidiram à corrida os presidente das Câmaras da Chamusca e de Moura e a presidente da Junta de Freguesia de S. Manços, a quem os respectivos grupos de forcados brindaram.
A corrida de ontem teve na direcção a competência e a aficion, também o sentido de espectáculo e do ritmo que o mesmo deve ter, do antigo forcado Manuel Gama, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva.
Era o Confronto dos Maestros. Acabou por ser muito mais que isso. Foi a noite da apoteose do toureiro a cavalo, interpretado por três dos seus mais antigos valores. Que se mantêm na ribalta. E ontem mais pareciam, repito, três jovenzitos à procura de um lugar ao sol. Grandes Toureiros!

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com