quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

"Por que concorri a Santarém": Francisco Zenkl conta tudo

"Tinha e tenho 20 amigos a meu lado, predispostos a ajudarem-me no meu
projecto para recuperação da Monumental de Santarém, mas concorri sózinho, sem
nenhum grupo, sociedade ou empresa formada!"
Aqui actuando como forcado dos Amadores de Montemor, ladeado pelos amigos
e cavaleiros que compuseram o cartel da corrida da sua alternativa, há cinco anos,
na praça de toiros das Caldas da Rainha, João Ribeiro Telles e Manuel Lupi
Numa corrida em Albufeira, onde actuou ao lado de seu Pai, o saudoso Gustavo
Zenkl, nascido na Áustria e que foi acolhido em Portugal, durante a II Guerra Mundial,
pela Família Infante da Câmara, acabando por tornar-se cavaleiro de alternativa
e uma das mas emblemáticas figuras do toureio equestre nos anos 60 e 70



Depois de ter surpreendido tudo e todos por ter sido um dos dois concorrentes à adjudicação da Monumental de Santarém (cujo concurso foi, entretanto e como noticiámos, anulado), Francisco Zenkl acedeu ao desafio do "Farpas" para aqui vir, pela primeira vez e em exclusivo, explicar os porquês desta inesperada incursão na actividade empresarial taurina. Filho do saudoso cavaleiro Gustavo Zenkl, também cavaleiro tauromáquico de alternativa (recebeu o doutoramento há cinco anos na praça das Caldas da Rainha, apadrinhado por Manuel Lupi, com o testemunho de João Ribeiro Telles) e forcado do Grupo de Montemor, Francisco Zenkl conta tudo. Primeiro, não queria. "Não considero este assunto com importância para ser notícia", justificou. Depois, acabou por aceitar, quando lhe fiz ver que, quer queira, quer não queira, passou a ser notícia quando se candidatou a gestor da Monumental "Celestino Graça". Esta é a entrevista por que todos esperavam.

Entrevista de Miguel Alvarenga

- Vamos começar, Francisco, pela parte que todos querem saber: concorreu sendo líder ou, pelo menos, o rosto visível, de um grupo empresarial formado por quem?
- Candidatei-me sózinho, sem grupo nenhum...
- ... já veio escrito num site que estava associado a um grupo angolano...
- (risos) Nada disso! Que disparate. Candidatei-me porque sou muito aficionado e porque considero que a Monumental de Santarém é a segunda mais importante praça de toiros do país, depois do Campo Pequeno e precisa de levar uma volta porque está outra vez em decadência. A praça foi levantada no tempo de Moita Flores como presidente da Câmara, mas depois voltou a cair e eu acho que se podem fazer coisas para a voltar a pôr de pé...
- Isso é uma crítica à gestão da empresa Aplaudir e de João Pedro Bolota, que está há oito anos a geri-la?
- Interprete como entender... para mim, a praça está de novo em baixo. E a minha intenção era contribuir para a levantar outra vez... Considero que é preciso e é urgente que isso aconteça. E mais: considero que é possível fazê-lo e não será assim tão difícil.
- Como, Francisco?
- Tenho ideias, tenho projectos e apresentei-os em reuniões que tive com a Santa Casa da Misericórdia e também com o senhor presidente da Câmara de Santarém, que me recebeu e a quem auscultei sobre a possibilidade de a autarquia dar um apoio ao meu projecto. Posso adiantar que essa reunião foi muito positiva. Por isso, avancei...
- E que projectos eram esses?
- O concurso, como se sabe, foi cancelado ou anulado, as propostas não chegaram a ser abertas, houve duas, a minha e a do empresário Paulo Pessoa de Carvalho. Sei que as propostas estão na secretaria da Santa Casa para nos serem devolvidas e por isso e no que diz respeito à minha proposta, uma vez que não chegou a ser aberta, penso que não devo divulgar publicamente o seu conteúdo. Esta semana tenciono ir lá recolher a minha carta...
- Que, de qualquer forma e segundo a Santa Casa informou no seu site, estava desclassificada porque o envelope não respeitava os requisitos do caderno de encargos, não foi?...
- Li isso, mas não entendo. Tenho um documento da Santa Casa a acusar a recepção da minha proposta, o que atesta que a receberam e a aceitaram como válida, não ma devolveram. Por isso...
- Mas o que é que o envelope tinha ou não tinha, que não correspondia aos requisitos?...
- Não sei. O caderno de encargos dizia que as propostas deveriam ser entregues num envelope fechado e onde se devia escrever "Proposta". Foi o que fiz. E no canto superior esquerdo, como se faz numa carta, escrevi o meu nome. Só se não se podia escrever o nome, não sei...
- Aceitava todas as condições do caderno de encargos?
- Não quero revelar o que propus, como já lhe disse. O caderno de encargos tinha apenas duas exigências: o pagamento de uma renda anual de 20 mil euros e a realização de uma corrida de toiros no mês de Maio a favor da Santa Casa... Não fazia referência alguma, por mais estranho que pareça, à obrigatoriedade de realizar em Junho as tradicionais corridas da Feira de Santarém... Também não estava minimamente salvaguardada no caderno de encargos, como deveria estar, a presença na Monumental do Grupo de Forcados Amadores de Santarém. Estranho... É o mais antigo grupo de forcados do mundo e a deveria ser salvaguardada a sua presença nas corridas de Santarém. No Montijo, por exemplo, o caderno de encargos da Misericórdia obriga a inclusão dos dois grupos de forcados locais em determinado número de corridas. Nada disso acontece em Santarém e não é normal... E nessa tal corrida obrigatória de Maio, se houvesse lucros eram para a Santa Casa, se houvesse prejuízo, o empresário acartava com ele... penso que não era justo, mas propus o que achei justo propor...
- E não havia mesmo mais ninguém associado a si?
- Posso revelar que fiz aqui em Vale de Figueira, em minha casa, um jantar com vinte amigos meus, três não puderam vir e por isso foram dezassete, a quem apresentei o meu projecto e que se disponibilizaram desde logo a estar comigo, mas não fizemos nenhuma sociedade. Posso dizer-lhe que o mais novo tem 30 anos e o mais velho 70. Tenho amigos de todas as idades. Mas, repito, não constituímos nenhuma empresa. Quem concorreu fui apenas eu.
- Então tenho que fazer a pergunta que se impõe: o dinheiro era seu?
- O meu projecto não envolvia fortunas. Apenas e só, boas intenções. Cartéis para encher Santarém. Mas, volto a dizer, como a proposta não chegou a ser conhecida, prefiro não a divulgar. Mas garanto que era boa. Muito boa, mesmo.
- E quem eram esses vinte amigos, ou dezassete, pode saber-se?
. Não obrigatoriamente... São amigos meus. Foi apenas e só uma reunião de amigos que promovi em minha casa e todos estavam disponíveis e entusiasmados em apoiar o meu projecto e ajudar-me a concretizá-lo. A única "sociedade", o único elo que nos unia, e une, era o empenho em fazer qualquer coisa para recuperar a força e o prestígio da Monumental de Santarém.
- Fica o projecto adiado, mas não anulado, é isso?
- Se o concurso foi anulado, o meu projecto fica obrigatoriamente adiado. Mas não anulado, isso não. Continuarei a lutar pela recuperação do prestígio e da força da Monumental de Santarém.
- Sei que não quer revelar, mas insisto: propunha nomes, cartéis, artistas?
- Cartéis propriamente, não. Mas, como todos reconhecemos e infelizmente para nós, portugueses, quem leva gente às praças em Portugal são dois rejoneadores espanhóis, o Pablo e o Ventura. Para se recuperar Santarém, eu propunha que se levasse o Pablo numa corrida e o Ventura noutra. Se queremos voltar a encher Santarém, temos que fazer por isso...
- São toureiros caros... tinha condições para lhes pagar?
- Todos tínhamos que contribuir para conseguir que houvesse sucesso. Não seria eu sózinho... A Santa Casa e a Câmara Municipal tinham que apoiar, tinha que haver mais gente e mais entidades que eu a remar para que o barco chegasse a bom porto. Não podemos ir com utopias, com sonhos... as coisas têm que ser pensadas, estudadas, meditadas e concretizadas com a força de todps.
- A anulação do concurso, segundo a própria Santa Casa, ficou a dever-se ao facto de a empresa Aplaudir, há oito anos gestora da Monumental, ter reclamado por carta que o seu contrato estaria automaticamente renovado por mais três anos...
- ... isso, eu desconhecia. Desde o momento em que foi lançado um concurso, limitei-me a ler o caderno de encargos e em concorrer. Nunca me passou pela cabeça que o contrato com a Aplaudir estivesse automaticamente renovado... Não é normal que um senhorio pretenda alugar uma casa que está alugada a outro inquilino...
- ... não passou pela cabeça nem a si, nem a ninguém. É estranhíssimo que a Santa Casa tivesse promovido um concurso para adjudicação da sua praça, sendo senhoria da mesma, quando o seu inquilino tinha, por contrato, a adjudicação renovada, não é?...
- É estranho e não se entende. Não sei como isso aconteceu, não sei se se deve a amadorismo, falta de conhecimento do contrato, sei lá, mas não deixa de ser estranho que fosse promovido um concurso... se isso, por lei do contrato com a actual empresa ajudicatária, não fazia sentido...
- Está estranha a nossa Festa, não está, Francisco? Falta classe, glamour, falta, como dizia o João Salgueiro, gente bem vestida nas trincheiras, apoderados com  nível...
- O Salgueiro tinha toda a razão. A Festa hoje está entregue, salvo raríssimas e honrosas excepções que não é necessário referir, todos sabem quem é quem, está entregue, dizia, a muitos pés-descalços... É verdade. Olhe, Miguel, eu este ano fui júri de um prémio numa corrida, votei em quem sentia que devia votar e perdi um grande amigo... Isto está um ambiente muito confuso, mesmo...
- E quanto a concorrer a mais praças? Li também que podia ir ao concurso de Salvaterra...
- Nada disso. A minha intenção e o meu projecto eram apenas e só para Santarém. Não tenho nenhuma aspiração a ser empresário tauromáquico. Sou é muito aficionado. Vou ver as corridas todas a todo o sítio. Se houver um toureiro que nunca vi, então estou logo lá caído, nem que seja em Urrós! Gosto de estar por dentro de tudo e há um ano, pedi o caderno de encargos de Salvaterra, mas apenas e só para o conhecer, porque gosto de ler essas coisas todas. Mas não era para concorrer. Até o podia ter levantado para qualquer outra empresa... penso que essa notícia de que eu ia concorrer e Salvaterra terá a ver com esse facto de eu ter levantado o caderno de encargos há um ano... mas nem sabia que a praça ia a concurso em 2016. Nem vou concorrer, podem estar descansados...
- Não vamos então tê-lo como empresário tauromáquico, está visto...
- Não senhor. Propus-me fazer qualquer coisa para ajudar a recuperar a praça de Santarém e não me vou meter em mais nada. O que há é isto e só isto. Ponto final. Está esclarecido?
- Completamente esclarecido, Francisco.
- Óptimo!

 Fotos D.R./@Francisco Zenkl