segunda-feira, 30 de maio de 2016

Almeirim: reinaram os Telles no condado dos Salgueiro!

Ousadia, arrojo, verdade e emoção marcaram ontem as duas grandes actuações
de João Ribeiro Telles, o grande triunfador da corrida em Almeirim
António Telles encheu as medidas aos aficionados em duas lides de maestria
Lide brilhante de João Salgueiro no terceiro toiro da corrida
Um grande ferro de Salgueiro da Costa
João Salgueiro dando a volta à arena depois da sua primeira actuação (na segunda
recusou tal honraria) com o valente forcado Lourenço Ribeiro, de Santarém, autor
de uma das grandes pegas da tarde ontem em Almeirim
João da Câmara, dos Amadores de Montemor, executou brilhantemente a última
pega da tarde, brindada aos céus, à memória de seu avô, D. Vicente da Câmara,
que horas antes fora a sepultar. Em baixo, o momento em que João Salgueiro
concedia a alternativa a seu filho João Salgueiro da Costa

Miguel Alvarenga - 28 anos depois da triunfal alternativa de João Salgueiro em Almeirim, foi ontem a vez de a mesma Monumental servir de cenário ao doutoramento de seu filho, João Salgueiro da Costa, depois de uma trajectória de dez anos como cavaleiro praticante pautada por altos e baixo, momentos de grande promessa e outros de alguma desilusão. Mas um Salgueiro é sempre um Salgueiro e dele tudo se pode esperar. O jovem João é o quarto representante de uma ilustre dinastia de cavaleiros tauromáquicos que foi iniciada por seu bisavô, Dr. Fernando Salgueiro, seguida por seu avô, Fernando de Andrade Salgueiro e continuada por seu pai, João Salgueiro - que ontem lhe concedeu o primeiro ferro como cavaleiro profissional (foto ao lado) na presença e com o testemunho de seu primo, o também cavaleiro António Lopes Aleixo (já retirado e que apenas compareceu na arena para esta cerimónia) e dos dois cavaleiros de turno, António Ribeiro Telles e João Ribeiro Telles.
Muito diferente de há 28 anos, como diferentes e estranhos andam os tempos, a Monumental de Almeirim registou ontem uma fraca meia casa, se calhar nem tanto. Apesar do dia de sol, as bancadas não registaram a enchente que se impunha e se previa. Logo à partida, esse facto retirou algum brilhantismo e importância (que deveria ter tido) ao evento e à própria alternativa do jovem Salgueiro.
Os Ribeiro Telles acabaram por ser os reis da tarde no condado dos Salgueiro, repartindo triunfos com o sério e emotivo curro de Murteira Grave e com os valentes forcados dos grupos de Santarém e de Montemor.
Salgueiro da Costa esteve apenas razoável no toiro da alternativa. Procurou ir de frente, mas nem sempre os cavalos cumpriram as suas ordens. A maioria dos ferros resultaram atravessados, via-se que ele queria, mas não podia. Mesmo assim, ficou a vontade, a seriedade de um toureiro que pode explodir de um momento para o outro, como se viu num último curto de muito valor, esse sim, a entrar pelo toiro dentro em terrenos de compromisso.
Na segunda e última lide da corrida, com um Grave que não facilitou, o jovem Salgueiro limitou-se a cumprir sem alardes de triunfo, recusando muito dignamente dar a volta. Pela boa vontade e pela emoção com que carregou algumas sortes, podia ter sido premiado com música, mais a mais tratando-se da tarde em que se formava e concluía o curso... mas assim não o entendeu o director de corrida Pedro Reinhardt. Um pouquinho de condescendência poderia ter dado outra nota a esta segunda lide do cavaleiro que era ontem a figura central da corrida. Lembrar-se-ia desta tarde de uma outra forma...
João Salgueiro emendou ontem em Almeirim o "não triunfo" de Lisboa, mas voltou a acusar o facto de ter estado dois anos parado. Ainda não é o Salgueiro de outros tempos - e esse continua a fazer falta! - mas já anda mais próximo dessas épocas. Foi brilhante a primeira actuação, com ferros de verdade e sortes de emoção, a fazer lembrar tempos-outros de infinda glória. Volta aplaudida, público rendido. No seu segundo toiro, sexto da ordem, um Grave de muita qualidade e bravura, esteve uns pontos abaixo da primeira actuação e no fim, com a dignidade que se lhe conhece, não aceitou dar a volta à arena.

Mestre António e João, o Grande!

Com os Telles, a música foi diferente. António teve um início de lide acidentada, quando um dos seus bandarilheiros, inadvertidamente, lhe atirou o toiro para cima, sendo violentamente colhido contra as tábuas, sem contudo cair - mas foi por pouco. O toiro de Grave pedia contas, era um toiro-toiro de impor respeito e Telles esteve por cima, com a maestria e a experiência que todos lhe reconhecemos e a que obrigatoriamente temos sempre que tirar o chapéu. Lide de Mestre, onde tudo foi bem feito.
No quinto toiro, um bravo Grave, voltou António a abrir o livro e a bordar o toureio, com ferros de tremenda verdade e primorosa execução. Em suma, mais uma lição. Os anos passam, António Telles melhora com o tempo, apruma-se, supera-se de tarde em tarde. É um estilo distinto, um glamour diferente, coisa séria. Grande António!
João Ribeiro Telles, que nunca foi anunciado como Júnior, uma vez que seu Pai já está retirado e não há motivos para confusão, aparece agora nos cartazes proclamado como tal - e espero que por pouco tempo. Que seja João Ribeiro Telles sem Júnior, que não faz falta esse diminuitivo e de júnior já ele não tem nada, há muito que passou a sénior e é, de facto, um dos melhores que por cá toureiam. Assim se viu ontem em Almeirim. Um pormenor que foi também um gesto: apresentou-se em praça ostentando o luto pela morte de D. Vicente da Câmara, ocorrida na véspera, em sinal de respeito e homenagem ao expoente máximo do Fado.
Frente a Graves de verdade, toiros sérios dos que nada perdoam e não permitem um descuido, toiros daqueles que dão à Festa toda a emoção que se andava a perder e lhe devolvem o risco e o perigo de antigamente, o difícil, que era a antiga essência deste espectáculo, desta arte, superou João Telles todas as barreiras, ultrapassou todas as dificuldades, destacou-se "à grande" e em grande, sagrando-se grande e pleno triunfador da tarde em Almeirim.
Lembro-me de todos, porque todos foram grandes e bons, mas não vou esquecer aquele último ferro curto na sua primeira lide, com o toiro fechado em tábuas, João a provocá-lo, a entrar pelos seus terrenos dentro sem bater à porta nem pedir licença e a cravar depois um ferro "do outro mundo", daqueles que páram corações, nos travam a respiração e fazem as pessoas levantar-se da bancada. Um espanto.
A segunda lide de João Ribeiro Telles voltou a ser um portento de arte, de valor, de espectacularidade. Outra vez ferros ousados, em terrenos de compromisso, sortes superiormente rematadas e, no fim, como adorno, um "violino" que confirmou e fechou toda uma actuação que comprova o momento alto que o toureiro atravessa, a moral com que está, o bom nível dos seus cavalos, tudo na perfeição. Grande João!

Duros Graves e grandes pegas

Aplauso alto e forte para o curro de oito toiros da ganadaria Murteira Grave. São toiros como este que nos fazem ainda sentir a antiga chama por que se norteava a Festa Brava - brava, como o próprio nome indica e que, por momentos, pareceu que queriam transformar em mansa ou simplesmente amansada, com os toiros "nhoc-nhoc" e da corda. Hoje, volta-se de novo à realidade, retoma-se o compasso da verdade, começa a devolver-se ao espectáculo tauromáquico todo o carisma e toda a essência que eram, e nunca deveriam ter deixado de ser, a sua verdade, a sua razão de ser.
A ganadaria Murteira Grave impõe respeito, é garantia de emoção e com toiros como os de ontem podemos ter a certeza de que a Festa não acaba, de que o público volta a ir às praças. Impuseram ritmo, deram seriedade, provocaram emoção e além de proporcionarem grandes lides, deram grandes pegas, não facilitaram, derrotaram, complicaram. Gostei particularmente do quinto e do sexto toiros, do sétimo também, o segundo foi um toiro muito sério, o terceiro foi nobre e com qualidade, o quarto teve excelente nota também. Sem destoarem, todos tiveram digno comportamento e elevada nota. O ganadeiro merecia ter ido à praça - mas não foi. Inutilizou-se o terceiro, que era o primeiro de João Salgueiro, que saíu à praça diminuído, tendo depois o cavaleiro de Valada lidado em sexto lugar o toiro sobrero.
Lamente-se, sobretudo nos dois toiros de João Salgueiro, a excessiva presença na arena dos bandarilheiros e os demasiados capotazos que os toiros levaram. Excessos que se podem e devem evitar. Com todo o respeito pela classe dos bandarilheiros, bem sei que cumprem ordens, mas há que dar maior seriedade e mais verdade ao espectáculo e dignificar o próprio desempenho do toureiro, que não deve actuar "mano-a-mano" com os seus peões de brega... Entendido?
No que às pegas diz respeito, tema a que ainda hoje aqui voltaremos com o filme detalhado das oito grandes caras de ontem em Almeirim, houve a registar uma tarde rotunda de êxito para os Amadores de Santarém e de Montemor, quer no que concerne aos forcados da cara, quer no que respeita à intervenção dos forcados nas ajudas.
Pelos escalabitanos pegaram o futuro cabo João Grave (à primeira), o pequeno-grande forcado Lourenço Ribeiro (enorme, com uns braços de ferro, à segunda), Luis Sepúlveda (à terceira, na pega mais dura da tarde a um Grave que não permitia ser pegado e derrotou sempre forte e alto) e António Goes (à primeira, numa pega para recordar).
Pelos montemorenses, foram caras João Romão (à primeira, muito bem), Francisco Borges (extraordinário, como sempre, ao primeiro intento), Manuel Dentinho (à segunda) e João da Câmara (à primeira, numa pega fabulosa que brindou à memória de seu avô, D. Vicente da Câmara, que horas antes fora a sepultar).
Bem dirigida por Pedro Reinhardt, a corrida decorreu em bom ritmo, havendo apenas a lamentar no final da primeira lide o compasso de espera para regar a arena, coisa que, com mais profissionalismo, a empresa deveria ter cuidado antes...
Cavaleiros e forcados brindaram a Salgueiro da Costa e ao longo da tarde houve ainda a destacar brindes a Fernando de Andrade Salgueiro e um do forcado Manuel Dentinho a Luis Neto, recordado elemento dos Amadores de Montemor, que há 28 anos, na corrida de alternativa de João Salgueiro, naquela mesma arena fizera uma pega ainda hoje por todos lembrada.

Mais logo, não perca, o "filme" detalhado das oito pegas, os Momentos e Glória das lides dos quatro cavaleiros e todos os Famosos que ontem marcaram presença na Monumental de Almeirim.

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com