sexta-feira, 28 de abril de 2017

Simão Neves entra na História actuando duas tardes seguidas em Madrid: "Uma grande responsabilidade e uma recompensa enorme do meu trabalho!"

Simão Neves protagoniza este fim-de-semana um feito histórico, nunca
alcançado por nenhum toureiro português: actuará em duas tardes consecutivas,
domingo e segunda-feira, na Monumental de las Ventas, em Madrid
Participa em Espanha por ano em 15 a 20 corridas. No ano passado actuou em
22 e na primeira praça de toiros do mundo, a Monumental de Madrid (fotos) já
se apresentou em 12 tardes
Rabejando um toiro, nos tempos de forcado. Começou a pegar nos Amadores
do Ribatejo e transitou depois para os do Aposento da Chamusca
Picando no tentadero da ganadaria Conde de Murça, onde tudo começou


Simão Neves tinha 15 anos quando pela primeira vez se fardou de forcado, na antiga Monumental de Cascais, pelo Grupo do Ribatejo, ao tempo comandado por Rui Souto Barreiros, onde esteve uns anos, transitando depois para o Grupo do Aposento da Chamusca, onde permaneceu até se tornar picador e passar a actuar só em Espanha. Foi representante da ganadaria do Conde de Murça, que neste momento está outra vez a reformular e que em breve voltará a dar que falar. Este fim-de-semana, Simão Neves protagonizará um feito único e histórico, actuando em duas tardes consecutivas na Monumental de Madrid: na novilhada do próximo domingo, 30 de Abril e na de segunda-feira, 1 de Maio. Entra para a História como o único artista português que pisa em duas tardes seguidas o sagrado ruedo de Las Ventas.

Entrevista de Miguel Alvarenga

- Tudo começou como forcado, nos grupos do Ribatejo e depois no Aposento da Chamusca. Conte em breves palavras como foram esses inícios.
- Comecei a minha vida no mundo da tauromaquia pela paixão que os meus avós e familiares me deixaram (fundadores e colaboradores na construção da praça de toiros de Salvaterra) e posteriormente pela mão de meu pai quando foi empresário em Salvaterra de Magos(1976/1979). Depois, pela amizade de Escola Agrícola e da praia da Nazaré entre o meu pai e Rui Souto Barreiros, começando ele, Rui,por desafiar o meu pai para me levar aos treinos do Grupo do Ribatejo, de que era cabo, coisa que nunca aconteceu, aparecendo eu numa corrida em Cascais em 1985 e fardando-me logo nessa corrida, tinha eu 15 anos.
- O que o chamou depois, Simão, a tornar-se picador?
- Comecei como picador na ganadaria do Senhor Conde Murça. Trabalhava lá, fui pedindo sempre ao Sr. Conde quando tentava para me deixar ir para cima do cavalo picar. Pois bem, foi cedendo ao meu pedido e assim poderia mostrar-me aos toureiros e aperfeiçoar sempre a técnica.
- Quando começou? Foi fácil? Como o receberam os espanhóis?
- Quando comecei a aparecer nas corridas não foi fácil e ainda hoje não o é, pois sou português.
- Como se chega a picador? Há provas, degraus a subir, uma alternativa?
- Na minha altura de começo, para tirar o carnet profissional tinha de se prestar provas perante um matador e ter picado no mínimo 30 vacas. O primeiro carnet que se obtém é o de picador de novilhos. Para se tirar depois o carnet de categoria máxima, que é o de picador de toiros, tem de se cumprir 30 novilhadas e fazer prova dessas 30 novilhadas através dos boletins das corridas e perante o Ministério que tutela as corridas de toiros. Não há propriamente uma alternativa como a dos toureiros, mas sim degraus que é necessário ir subindo.
- Nos seus princípios, havia mais picadores portugueses em Espanha, casos de Rafael Trancas e de Dionísio, não era? Apoiaram-no?
- Sim, sempre me apoiaram dentro das possibilidades deles e dando-me sempre os concelhos de como deveria fazer. Rafael Trancas foi o meu primeiro companheiro. Com Dionísio também compartilhei algumas tardes.
- Quantas corridas faz por ano e em que quadrilhas já actuou?
- Normalmente faço entre as 15 a 20 corridas por ano. No ano passado foi um ano excepcional, consegui colocar-me com vários toureiros, de Madrid, de Valência, de Algemesi, de Teruel, de Tomelloso e terminei a época com 22 corridas. Já pertenci às quadrilhas de Jesus Duque, de Daniel Menes, de Miguel Maestro, de Mário Alcalde, Manuel Dias Gomes, Curro Damian, Daniel Nunes, Vicente Soler e outros. Nunca tive quadrilha fixa, pois andando solto pode ser mais benéfico na minha opinião
- Quantas vezes já actuou em Madrid?
- Em Madrid, na Monumental de las Ventas, já actuei em 12 tardes, tendo só o ano passado actuado em quatro ocasiões, sendo uma delas numa televisionada da Feira de Outono, às ordens de Daniel Menes.
- Os prémios que recebeu? Colhidas, já sofreu?
- Recebi em 2013 o prémio de melhor picador da Feira de Guadalix de la Sierra. Nesse mesmo ano em França, nomeadamente em Parentis en Born, fui o melhor picador de uma corrida, o prémio era monetário, mas como tinha montado a puya com o fio para cima, não sabendo que ali era obrigatório ser montado para baixo, não me atribuíram o prémio por essa razão. Quanto a colhidas, graças a Deus ainda não tive nenhuma, apenas fui algumas vezes para o chão. A que mais me recordo foi precisamente no dia do meu debute com um toiro de Victorino Martin com 500 quilos e a outra que recordo e que ficará sempre em memória foi no dia que ganhei o prémio em Guadalix de la Sierra, em que fui para o chão por duas vezes no mesmo toiro tendo que dar três puyazos ao toiro. Na segunda queda fracturei uma costela flutuante e tive de subir outra vez para o cavalo para dar o terceiro puyazo. Recordo também que o toiro ao ver-me a levantar, se arrancou para mim e eu fiz-lhe um quiebro e ele passou por mim sem me tocar! Esse toiro era um jabonero da ganadaria de Aurélio Hernandez (puro Veragua), com 610 quilos…
- Gostava de exercer em Portugal a sua profissão, que está proibida, como se sabe?
- Claro que gostava de exercer esta profissão no meu país de origem, é uma pena ter-se perdido o tércio de varas em Portugal, que tanta falta faz ao toiro e ao espectáculo e que tão espectacular é quando bem feito. Vamos ver se se consegue implantar outra vez nos Açores, nomeadamente na Ilha Terceira. Já houve e continuam a haver tentativas para que se volte aí a autorizar a sorte de varas.
- Complete a frase: ser picador é…
- … uma paixão, uma maneira de estar no mundo do toiro.
- Vai actuar em dois dias consecutivos em Las Ventas, no domingo e na segunda-feira, facto que nunca foi protagonizado por nenhum toureiro português. O que significa isso para si?
- Sim, é verdade, estou contratado para Las Ventas dois dias seguidos, no próximo domingo, 30 de Abril e na segunda-feira, 1 de Maio. Significa para mim uma grande responsabilidade e uma recompensa enorme do meu trabalho. Sonho estar bem e ter muita sorte, pois podem-se abrir outras portas. Madrid é Madrid, a praça que tudo pode dar e tudo pode tirar…
- Para terminar, Simão, falou há pouco dos seus inícios na ganadaria de Conde de Murça. A ganadaria acabou? 
- A ganadaria de Conde Murça continua a existir, teve um interregno quando saí, mas voltei novamente. Quando comecei a vida de picador, como referi, era representante e funcionario da ganadaria de Conde Murça. Neste momento estou com novo projecto na ganadaria, juntamente com o Sr. Jorge Mello (Conde Murça), pois em Novembro de 2016 tivemos que mandar matar todo o efectivo por problemas sanitários (tuberculose). Posso adiantar em primeira mão que já comprámos 50 vacas, optando agora por encaste puro Domecq e a ganadaria vai, portanto, regressar em força.

Fotos Ricardo Relvas e D.R.