segunda-feira, 15 de maio de 2017

Ontem em Salvaterra: António Ribeiro Telles, o Grande!

Lição de cátedra de António Ribeiro Telles, ontem em Salvaterra, no quarto toiro
da tarde, o fantástico e bravo exemplar da ganadaria Murteira Grave. Assim se
toureia! Uma lide que marca esta temporada e confirma o grande momento do
Grande Toureiro!
António já estivera enorme na sua primeira actuação, ao toiro de Miura
Filipe Gonçalves toureou com verdade e emoção o bravo toiro de Palha
Filipe Gonçalves esteve muito bem com o toiro de Palha e não entendeu depois
o de Silva, abusando dos "quiebros". A lide era outra e só brilhou depois no
fim com dois ferros a entrar pelo toiro dentro, sem lhe quebrar a investida
Um ferro de grande verdade e emoção, à porta da gaiola, ao potente toiro de
Veiga Teixeira. Decisão e atitude de Francisco Palha no terceiro da tarde
Dos momentos da lide brilhante e esforçada (estava diminuído e cheio de dores
na perna) de Francisco Palha ao toiro manso de Castro


Miguel Alvarenga - Depois de um fim-de-semana anterior com praças às moscas, o que dá uma péssima imagem da força real da Tauromaquia, Salvaterra de Magos registou ontem uma enchente com mais de três quartos das bancadas preenchidas. Um êxito, mercê do excelente trabalho que está a realizar naquela praça o inovador empresário Rafael Vilhais e que ontem se ficou a dever sobretudo aos toiros, à expectativa de ver um Miura, mas também ao trapio dos cinco restantes toiros a concurso, pertencentes a cinco das mais duras ganadarias nacionais, o que é sempre e à partida uma garantia de emoção e risco, que são a verdadeira e ancestral essência do espetáculo tauromáquico.
Quando as coisas são bem feitas (parabéns a Rafael Vilhais e à sua empreendedora equipa empresarial, onde pontifica Rui Palma, seu braço-direito, um jovem que está também a destacar-se pelo que tem feito em prol da verdade da Festa - as verdades são para ser ditas e a justiça é para se fazer), o resultado é sempre positivo e enaltece a Tauromaquia.
No fim-de-semana anterior, realizou-se no sábado uma corrida em Montemor à tarde e outra à noite em Elvas; e no domingo, duas à mesma hora em Vila Franca e no Montijo. Enquanto os senhores empresários não se entenderem e não se organizarem, acabando de vez com estas corridas sobrepostas, as coisas não irão em frente. Ou até podem ir, mas aos solavancos e com as praças a meio gás, como aconteceu há oito dias.
Ontem em Salvaterra de Magos, o cartel era aliciante, os toiros prometiam, o público está ávido de emoções, havia imensa gente para ver os forcados, não estavam anunciadas mais corridas no mesmo dia e muito menos à mesma hora - e o resultado foi o que se viu, praça cheia, um ambiente enorme. Assim, as coisas resultam. Será assim tão difícil de entender?…

Telles: uma lição para a História!

Artisticamente, a corrida de ontem teve um nome: António Ribeiro Telles, o Mestre.
Cavaleiro veterano, considerado o mais puro dos intérpretes clássicos do toureio a cavalo, António esteve em plano superior com o sério e nada fácil toiro de Miura (cinco anos), impondo a sua maestria e jamais permitindo que fosse o toiro a mandar. O Miura bem quis, mas ali quem mandou foi o grande António, com ferros de grande emoção e brega primorosa, tudo à maneira antiga, com a classe e a verdade que foram sempre apanágios de uma carreira por demais gloriosa e construída com a verdade do toureio e o respeito pelos seus canônes. Fantástico.
Mas foi no seu segundo toiro, quarto da ordem, o fantástico exemplar da ganadaria Murteira Grave que venceu os prémios de bravura e de apresentação, que António Ribeiro Telles abriu o livro e, em lide de suprema inspiração e aplaudida maestria, acabou com o quadro. Assim se toureia! Nem um toque, nem um deslize, tudo como deve ser. Brega inteligente e sabedora, ferros a entrar pelos terrenos do toiro, vencendo o pito esquerdo, cravando de alto a baixo com emoção e rigor, remates perfeitos sem alardes do modernismo, que se aceitam, mas aos quais António jamais recorreu por que é um toureiro à antiga e tem da arte de tourear a cavalo um conceito muito digno e muito seu, herdado da maestria e do saber se seu sempre lembrado pai, nosso querido e recordado Mestre David.
Foi uma lide que marca esta temporada e que não é fácil descrever. Uma lide que todos sentimos, que todos aplaudimos e que fica para quem a viu como uma das melhores dos últimos anos. António deu duas voltas à arena e mais daria porque o público não se cansou de o aplaudir e de reconhecer a classe e a maestria do grande Toureiro.  O Mestre foi ontem quem mandou.

Filipe: muito valor e alguns equívocos

Filipe Gonçalves é um cavaleiro embalado pelos triunfos que o destacaram na última temporada e que ele já reafirmou este ano em anteriores actuações.
Ontem lidou com brilhantismo e também alto risco o seu primeiro toiro, da ganadaria Palha, que evidenciou bravura e teve também excelente apresentação. Filipe lidou-o na perfeição, emocionando o público com ferros em terrenos proibidos e brega perfeita. Ouviu música e deu aplaudida volta à arena.
O seu segundo toiro era de António Silva, um toiro sério e complicado, mas que se arrancava com alegria e teria proporcionado outro triunfo ao cavaleiro algarvio, não fosse ele não o ter entendido. Optou erradamente pelos “quiebros”, que nem sempre resultaram na perfeição e só se reencontrou já no final da lide com dois curtos de boa marca, entrando pelo toiro dentro sem lhe quebrar a investida. Cada toiro tem a sua lide e o “quiebro” não era sorte para um toiro como este.

Palha: a raça de um grande toureiro-lidador

Francisco Palha voltou a entrar decidido e com atitude, como o fizera uma semana antes em Vila Franca. Mandou os bandarilheiros para dentro e foi-se à porta da gaiola esperar o toiro de Veiga Teixeira, que não era toiro para brincadeiras e com o qual Francisco esteve dignamente à altura. O primeiro ferro resultou emotivo e levantou o público das bancadas. A seguir sofreu um forte encontrão contra as tábuas e lesionou-se na perna esquerda. Mesmo diminuído, prosseguiu a lide com imenso valor e galhardia, mas falhou alguns ferros e isso retirou brilhantismo à sua actuação, que veio de mais a menos. Mas uma coisa houve: emoção e risco, entrega por parte do jovem cavaleiro. Profissionalismo elevado e denotada decisão de muito querer para mostrar o que vale. E Palhinha vale mesmo muito. Está um grande e bom Toureiro.
Passou o resto da corrida a ser assistido na enfermaria e regressou depois para lidar o último toiro da tarde, um manso perigoso da ganadaria Fernandes de Castro, com meias investidas apenas, mas arrancadas de manso com perigo e a procurar fazer mal. Palha foi senhor da situação e mandou. No rosto do toureiro era bem visível a dor e o esforço que estava a fazer para conseguir manter-se em praça. Mas como com os toiros difíceis se vêem os grandes toureiros, Francisco Palha protagonizou uma lide de muito valor, com muita entrega e muita toreria, deixando bem patente a grandeza do seu toureio. Grandes ferros, brega fantástica, a classe de um grande lidador. Veio depois à praça amparado pelos bandarilheiros e com uma muleta, mas não conseguiu dar a volta à arena, recebendo um respeitosa e clamorosa ovação.

Tarde dura, mas brilhante, para os Forcados

Para os valentes Forcados de Santarém e de Lisboa, a tarde não foi fácil, como aliás se previa. Toiros destes, se aparecessem muitas vezes nas nossas praças, mandariam para casa metade dos grupos que por aí se arrastam sem razão, nem justificação, de ser.
Tratava-se de dois dos nossos melhores grupos e isso valeu para que as seis pegas fossem concretizadas com enorme valor, mas muito trabalho e grande emoção na maioria dos casos.
João Grave, o valente cabo dos Amadores de Santarém, foi à cara do sério toiro de Miura, que por quatro vezes lhe infringiu arrepiantes e violentos derrotes, só concretizando à quinta e com as ajudas bem carregadas.
Ainda pelos de Santarém, foram caras o valoroso e decidido Ruben Giovety, à segunda, com enorme decisão e excelentes ajudas dos companheiros; e a pega da tarde foi a quinta, do escalabitano Francisco Graciosa, ao toiro de António Silva. Menino franzino, com alma de toureiro e braços de ferro, um poderio imenso, que esteve senhor da situação a recuar e a tourear, fechando-se com galhardia e aguentando sozinho aquela investida de um verdadeiro comboio até os companheiros chegarem e acabarem por ajudar na perfeição, permitindo que a pega se concretizasse à primeira.
Pelos Amadores de Lisboa pegou o segundo toiro da ordem, o sério exemplar da centenária ganadaria Palha, Duarte Mira, que esteve brilhante na sua primeira intervenção, consumando a pega com decisão, depois de Vitor Epifânio ter saído lesionado numa primeira tentativa, sofrendo uma pancada forte na cabeça e ficando inanimado na arena. Assistido na enfermaria, regressou mais tarde à trincheira. Não sofreu, felizmente, nenhuma lesão grave.
Pedro Gil, forcado de méritos consagrados, pegou o segundo toiro do Grupo de Lisboa, o quarto da ordem, de Murteira Grave. Derrotado na primeira tentativa, concretizou a sorte à segunda, fechando-se apenas de braços e não de pernas, muito bem ajudado pelos companheiros. Esteve bem a recuar e a mandar na investida do Grave. É um forcado que sabe o que faz.
A última pega foi também uma grande pega, um monumento. Na cara esteve João Varanda, que aguentou a fortíssima investida do complicado e manso toiro de Castro, fechando-se à segunda tentativa, com uma brilhante e oportuna ajuda de Ricardo Lourenço, que depois deu também merecida volta à arena.
Não foi fácil o labor dos dois grupos, mas ambos estiveram à altura da dureza dos toiros, reafirmando o valor e a qualidade dos seus valentes e corajosos forcados. Um aplauso enorme para os Amadores de Santarém e os Amadores de Lisboa pela lição que ontem deram em Salvaterra.
Para grandes toiros, estiveram em praça grandes bandarilheiros e o meu maior destaque vai para a arte e o valor do grande António Telles Bastos, um Senhor Toureiro em qualquer parte do mundo e que ontem reinou em Salvaterra. Aplausos, mais que justos, também, para João Ribeiro “Curro”, Nuno Oliveira, Manuel dos Santos “Becas”, Diogo Malafaia e Jorge Alegria. Todos à altura!
Rogério Jóia é um director de corrida aficionado e com um sentimento especial. Dirigiu com rigor, com competência e com saber a corrida, contribuindo também para o sucesso decisivo da grande (mas demorada… pelas difíceis e duras pegas e também por obra e graça do toiro Miura, que levou quase meia hora a recolher aos curros) tarde de toiros que ontem se viveu na praça de Salvaterra. Esteve assessorado pelo médico veterinário Dr. Luis da Cruz, sendo cornetim, com a arte de quase meio século a abrilhantar as corridas de toiros, o emblemático José Henriques.

Homenagem a João Ramalho... sem som

Foi homenageado o ganadero João Ramalho, a quem cavaleiros e forcados brindaram. A homenagem propriamente dita foi feita ao intervalo, mas não teve a dignidade que se impunha. Falou João Cortesão e foi pena que não se conseguissem entender as suas palavras, por deficiência do sistema sonoro, sendo ele um brilhante orador e de grande sentimento. Certamente bonitas e justas para com o homenageado, foi pena que  ninguém tivesse ouvido nada.  João Ramalho deu depois uma aplaudida volta à arena com o público de pé a aplaudi-lo.
Não foi anunciada a composição do júri que decidiu a atribuição dos prémios de bravura e de apresentação do Concurso de Ganadarias. É pena. Estas coisas ganham sempre maior transparência e credibilidade quando se sabe quem votou.
Os dois prémios foram atribuídos à ganadaria Murteira Grave, sem protestos. Concordo a mil por cento com o prémio de bravura, mas não posso deixar de destacar também a bravura do toiro de Palha. Não discordo do prémio de apresentação, mas também não discordava se tivesse sido atribuído ao toiro de Veiga Teixeira.
O empresário Rafael Vilhais prestou ainda homenagem à ganadaria Miura pelos seus 175 anos de existência.
No final, apresentaram-se em praça os maiorais das ganadarias. E o de Miura marcou a diferença na forma como se apresentou trajado. Até as botas do homem brilhavam. Chama-se a isso profissionalismo, saber estar. Nuestros hermanos são sempre diferentes. E nós continuamos a não saber, ou a não querer, aprender com eles. Lamento.

Fotos Maria Mil-Homens