sexta-feira, 30 de junho de 2017

Parreirita e Botero: o futuro escreveu-se ontem no Campo Pequeno

Parreirita Cigano e Jacobo Botero sairam ontem absolutos triunfadores da
corrida nocturna do Campo Pequeno e vão estar, por direito próprio, na da
próxima quinta-feira, 6 de Julho, formando cartel com os matadores "El Fandi"
e Juan del Álamo (triunfador de Madrid) e os Forcados do Aposento da Moita,
frente a toiros da ganadaria Falé Filipe
Parreirita Cigano brindou a sua lide da alternativa ao seu Mestre Manuel Jorge
de Oliveira, à equipa do Campo Pequeno (Drª Paula Mattamouros Resende e
Rui Bento, na foto encoberto pelos bandarilheiros) e à sua equipa, o apoderado
João Duarte e os bandarilheiros e seus sobrinhos Joaquim e João OIiveira,
filhos de seu saudoso irmão Filipe
Parreirita Cigano marcou a diferença e reafirmou que vai ser um caso muito
sério na Tauromaquia nacional. Jacobo Botero (em baixo) relembrou que está
na luta e também não var ser só mais um! 


Miguel Alvarenga - Nos meus primeiros tempos de aficionado, ia-se a uma corrida (falo das corridas à portuguesa ou mesmo das mistas, que era a fórmula mais em uso nesse tempo) e via-se tourear cada um de maneira diferente. Manuel Conde tinha um estilo, David Ribeiro Telles outro, Mestre Batista toureava de uma forma, Luis Miguel da Veiga de outra, José Cortes e José Lupi diferenciavam-se, para já não falar da maestria e do glamour com que toureava e sempre marcava a diferença o grande Mestre João Núncio, que ainda tive a sorte de ver algumas vezes, José João Zoio era outra loiça, Manuel Jorge de Oliveira era diferente, depois João Telles, Rui Salvador, Paulo Caetano impuseram novos estilos, pelo meio chegou João Moura e revolucionou tudo, vieram os outros a fazer como ele e nada nesse tempo tinha a ver com a monotonia dos dias de hoje.
Hoje, a grande maioria dos cavaleiros, com todo o valor que têm - e têm -  toureiam todos de forma quase igual ou parecida. Ladeiam, fazem piruetas, é tudo muito semelhante. Ver um ou ver outro é quase sempre o mesmo. Porque o estilo, salvo raríssimas excepções que precisamente por serem raríssimas nem preciso de apontar, é só um, há pouquíssima variação.

Quando há toiros, acontece espectáculo

A corrida de ontem no Campo Pequeno foi diferente. Parecia que tínhamos recuado no tempo e estávamos a ver uma corrida de antigamente. Seis cavaleiros, seis estilos completamente diferentes - e bons, ainda por cima. E toiros de verdade. Que são, afinal, a verdadeira essência de um espectáculo que quando não tem risco se desvirtua e se perde, perdendo também o interesse e afastando público das praças. Muitas vezes, quase sempre, vê-se mais do mesmo - e chateia. Ontem, viram-se seis cavaleiros diferentes. E, acima de tudo, houve emoção.
Mais bravos ou mais mansos, a verdade é que os toiros de Veiga Teixeira pediram contas, fizeram suster a respiração nas bancadas, trouxeram perigo e emoção à praça. E quando isso acontece, acontece espectáculo. Ontem, aconteceu espectáculo no Campo Pequeno.
Padilla à parte na corrida inaugural, esta foi a mais emotiva - e a mais verdadeira - das corridas desta temporada, até agora, em Lisboa.

Parreirita veio para ficar!

Diziam antes que Parreirita Cigano era meio inconsciente e que aqueles ferros carregados de ousadia e irreverente valentia eram só por acaso, que um dia ainda acontecia uma tragédia. Qual tragédia, qual inconsciência, Parreirita está um toureiro sóbrio, digo mesmo, consagrado, um toureiro que se impôs pelo seu valor e pela diferença que insiste em marcar e ontem marcou uma vez mais. Teve, apenas e só, uma alternativa notável. Uma alternativa brilhante a todos os títulos.
Merece voltar na próxima quinta-feira, porque assim o decidiu unânimemente, sem lugar para dúvidas, o júri composto pelos críticos Manuel Andrade Guerra e Joaquim Tapada e pelo editor da “Flash”, Hélder Ramalho.
Esteve senhor da situação, transmitiu segurança e evidenciou sobriedade e serenidade, muita atitude e um valor à prova de bala. Brilhante nos dois compridos, galvanizou o público com os curtos em terrenos de alto compromisso e em sortes de alto risco, saindo airosamente e bregando como quem sabe o que faz. Nota altíssima para uma das mais memoráveis alternativas dos últimos tempos no Campo Pequeno.

Quem é rei, jamais perde a majestade

Tal como a alternativa do seu padrinho e seu mestre, há quarenta anos, que muitos ainda hoje recordam e ontem relembraram certamente na lide carregada de emoção que Manuel Jorge de Oliveira fez questão de repartir com Parreirita, depois de cravar dois compridos meio à defesa, o que é compreensível, acusando o peso de não tourear há quatro anos e de ter pela frente não um toiro cómodo, mas um toiro de verdade e que pedia contas. Louve-se o seu gesto de aceitar regressar por uma noite com uma ganadaria dura. É de homem. E de homem bravo, que foi coisa que ele foi sempre.
Mais sereno e mais confiado no duo com Parreirita, Manuel Jorge cresceu e inspirou-se e como quem é rei nunca perde a majestade, vimo-lo cravar três curtos à antiga, a entrar pelo toiro dentro e a quartear-se num palmo de terreno, vencendo o piton contrário e cravando de alto a baixo como nos ensinaram os antigos.

Rui Salvador venceu a guerra

Ao valente Rui Salvador continua a faltar “aquele cavalo” que o faça reviver os tempos de glória. O toiro não foi fácil, mas mesmo assim, com as “armas” que tem, conseguiu vencer a guerra e sair por cima, mercê do seu tremendo pundonor, do seu profissionalismo sem limites nem limitações, da sua maestria eterna.
Foi quase uma lide à Salvador das antigas, com ferros impossíveis, a dar a verdadeira dimensão de um grande Toureiro que, bem ou menos bem montado, nunca perde a postura e o estatuto de um glorioso passado. Muito bem!

Valor, muito valor, de Ana Batista

Ana Batista tem classe e é um poço de arte. Mas, mais importante ainda, é valente como as armas. O seu Veiga Teixeira foi a fava da noite. Explodiu emoção e seriedade na forma como perseguiu o cavalo e o apertou em terrenos de compromisso.
Ana deu-lhe a volta e a sua lide foi de um valor sem fim, sobretudo depois de o toiro se fechar em tábuas e exigir dela a entrega e o esforço que só têm mesmo os eleitos. Não houve brilhantismo, porque com um toiro assim não podia haver. Mas houve muito valor. Muito mesmo.

João M. Branco: força!

João Maria Branco não se reencontrou ainda depois de um afastamento de dois anos das praças nacionais e voltou ontem a acusar a falta de continuidade que a sua promissora carreira estava a ter nos seus começos.
O toiro também não o ajudou. João Maria procurou fazer o melhor que podia, mas sem matéria prima para brilhar ainda não foi desta que regressou em força. Não teve música e não foi autorizado a dar volta à arena, mas também não esteve mal. Nem bem. Houve disposição, manifestou-a. Faltou brilhantismo. Sabemos que pode ir muito mais longe e esperamos que a todo o momento volte em grande, porque está bem montado e tem garra suficiente para apanhar de novo o comboio. Força, desanimar nunca!

Botero deu grito de (re)afirmação!

E por fim, Jacobo Botero. O jovem colombiano que um dia quis ser toureiro e deixou tudo para trás para se estabelecer em Portugal e conquistar o sonho. Esteve dois meses parado por mudanças radicais na sua vida profissional e até pessoal. Voltou moralizado e disposto a recuperar o tempo perdido. E o resultado esteve ontem à vista.
Reconquistou a sua posição, que aliás nunca perdera, apenas deixara uns tempos adormecida. Levou um violento toque, pois levou, mas levou-o porque aguentou até ao fim, sem virar a cara, a repentina investida de praça a praça do imponente Veiga Teixeira. Depois recompôs-se e brilhou em curtos de grande emoção, evidenciando consistência e valor. E atrevimento. E aquela vontade férrea que sempre teve de não ser só mais um. Botero deu ontem em Lisboa um grito muito forte de afirmação. De reafirmação, se preferirem.
Parreirita Cigano foi, muito meritoriamente, o toureiro eleito para entrar na corrida mista da próxima quinta-feira. A empresa teve o bonito e oportuno gesto de também fazer passar Jacobo Botero, reforçando a clara intenção de apostar no futuro - como o fazia o grande Manuel dos Santos. Quem sabe se com esta decisão não fez nascer uma nova parelha, dando vida a uma aguerrida competição, que é mesmo o que está a faltar para dar um abanão decisivo à monotonia em que vive a nossa Festa.

Noite grande dos Forcados

Noite grande, grande mesmo, a dos Forcados. A dos valentes Forcados dos grupos do Ribatejo, da Chamusca e do Aposento da Chamusca. Diz-se muita vez que no dia em que começarem a sair nas praças toiros de verdade, metade dos grupos vão para casa. Estes três não irão de certezinha.
Para toiros de emoção, Forcados de barba rija. E foi isso que aconteceu ontem no Campo Pequeno. Pegas brilhantes, duras, rijas, de uma emoção sem fim.
Rafael Costa à primeira e André Martins à segunda honraram a jaqueta de ramagens dos Amadores do Ribatejo. Pelos Amadores da Chamusca foram caras Igor Rabita à segunda e Luis Isidro à primeira. Pelo Aposento da Chamusca, grandes pegas também de Francisco Andrade, à segunda, com uma fantástica ajuda do cabo Pedro Coelho dos Reis e de João Salgueiro com um pegão à terceira, que por ter sido à terceira não deixou de ser uma enorme pega.
Aplaudo na generalidade o labor valoroso de todos os bandarilheiros em praça, veteranos e novos, esforçados e com trabalho redobrado pela seriedade e o sentido dos toiros, sobretudo quando se tratou de os colocar para os forcados.
A maioria dos brindes de cavaleiros e forcados foram para Manuel Jorge de Oliveira e para Parreirita Cigano, mas também os houve para os responsáveis pelo jornal “O Mirante”, que dava o nome a esta grande corrida.
Direcção acertadíssima, como é seu timbre, do exigente Pedro Reinhardt, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva.

Aplausos para Veiga Teixeira!

Pela seriedade, pela emoção, pela reposição da verdade, que muitas vezes tem andado esquecida e mesmo encoberta, alguém se devia ter lembrado de aplaudir o ganadero Veiga Teixeira. É que não nos podemos esquecer que é com toiros destes, a pedirem contas, sejam mais bravos ou menos bravos, que se reconquista todo o esplendor e toda a essência do que é, e às vezes não chega a ser, o espectáculo tauromáquico, a chamada Festa de Toiros, tal como ela era nos tempos antigos.
No início da corrida, num respeitoso minuto de silêncio, lembrou-se a memória das vítimas dos pavorosos incêndios de Pedrógão Grande, do cavaleiro-aristocrata D. José de Athayde, do matador de toiros Iván Fandiño, que perdeu a vida numa arena em França há duas semanas, do antigo forcado José Romão Tavares e do simpático repórter fotográfico Pedro Cardoso.
A Festa continua!

Fotos Maria Mil-Homens