sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Era uma vez o Futuro... ontem no Campo Pequeno

Clássico e com muita classe: Francisco Correia Lopes voltou a deixar óptima
impressão no Campo Pequeno. Está na hora de passar das novilhadas às
corridas formais
Soraia Costa foi ontem a grande revelação da noite no Campo Pequeno
Manuel Oliveira, o mais verde dos três cavaleiros, apontou bonitos detalhes e
procurou sempre cravar com a verdade do toureio antigo
Vontade e entrega não faltaram ao valoroso "Cuqui" para ontem reafirmar a boa
impressão que aqui deixara na noite de Manzanares. O que lhe faltou foi um
novilho para o êxito. Lidou um manso de Murteira Grave, sem opções
A arte e o poderio do veterano Pedro Gonçalves fizeram ontem a diferença, com
este grande par de bandarilhas. Quem é rei jamais perde a majestade
Diogo Peseiro reafirmou ontem no Campo Pequeno com o capote, as bandarilhas
e a muleta que tem um enorme potencial para poder vir a escrever uma bonita
página na História do toureio a pé. Nota alta para o novilho de Falé Filipe 
Garbo, valentia e ofício na actuação de Sérgio Nunes com o novilho de Ribeiro
Telles, que não transmitia muito


Miguel Alvarenga - Agosto, mês de férias, o pessoal todo a banhos no reino do Algarve e, mesmo assim, quase metade das bancadas do Campo Pequeno preenchidas ontem, mais do que em algumas anteriores corridas, na interessante e muito agradável novilhada de oportunidade aos novos valores do toureio a cavalo e a pé, que é como quem diz, ao Futuro da Festa.
Numa bonita e louvável atitude, também, de apoio aos dias que hão-de vir, lidaram-se seis novilhos oferecidos por seis ganaderos, havendo apenas a lamentar a mansidão assustadora do de Murteira Grave, a ganadaria dos êxitos, já triunfadora este ano em Lisboa. Acontece, há sempre uma ovelha negra no rebanho.
Artisticamente, há a destacar os triunfos dos cavaleiros Francisco Correia Lopes e Soraia Costa (a agradável surpresa da noite) e do novilheiro Diogo Peseiro e ainda um grande par de bandarilhas do veterano Pedro Gonçalves, ainda e sempre o primeiro nesta arte.
Correia Lopes, que fora o triunfador da novilhada do ano passado, reafirmou ontem em Lisboa todo o seu bonito porte de toureiro clássico, sem enveredar por modinhas novas, sem artifícios de conquista fácil, lidando com aprumo e correcção, fazendo tudo bem feito. Um triunfo de reafirmação a impôr, agora, a entrada em corridas formais, está na hora de deixar as novilhadas e de dar um passo mais em frente, porque está apto para maiores desafios. Lidou um novilho codicioso de Varela Crujo, entendeu-o na perfeição e demonstrou de novo a sua boa equitação e o seu conceito de verdade da arte de bem tourear a cavalo.

Uma surpresa chamada Soraia

A surpresa da noite foi a jovem cavaleira nortenha Soraia Costa, que se apresentava no Campo Pequeno. Bem montada, exibiu de saída um bom cavalo comprado a Moura Jr. e com as bandarilhas utilizou outro que adquiriu a Moura Caetano, a quem brindou a lide. Desenvolta e demonstrando sentido de lide e conhecimento dos terrenos, não acusou minimamente a responsabilidade de tourear pela primeira vez em Lisboa. Esteve arrojada, bregando com acerto e cravando ferros emotivos em sortes frontais, vencendo o piton esquerdo e entrando pelo novilho dentro com ousadia e destemor. O último ferro foi de imenso valor, com o oponente nas tábuas, provocando-o, dando-lhe a primazia e aguentando em terrenos de grande compromisso para depois cravar de alto e baixo e levantar o público das bancadas. O novilho de Paulo Caetano tinha escassa apresentação mas teve alto comportamento, contribuindo para o êxito da toureira, que foi, repito, a agradável revelação da noite. Soraia tem “gancho”, como dizem nuestros hermanos, é uma promessa certa e o público ontem esteve com ela, reconhecendo-lhe todo o seu valor. Era merecida uma segunda oportunidade no que falta da temporada lisboeta.
Manuel Oliveira enfrentou um novilho cumpridor da ganadaria Vinhas e apontou bons detalhes numa lide que foi em crescendo e se destacou por dois bons curtos já na recta final. Tem potencialidades, monta bem, mas está ainda verde e a estreia no Campo Pequeno pode ter sido precipitada. Esperamos vê-lo de novo depois de uma maior rodagem. Tem valor e como quem sai aos seus não degenera, demonstrou ontem ter potencial para honrar nas arenas o passado de glória de seu pai, o veterano Manuel Jorge de Oliveira. É ainda um diamante em bruto, o que não é de admirar (tirou muito recentemente a prova de praticante), pronto a lapidar e apontou futuro promissor.

Afirmação e atitude de Diogo Peseiro

No melhor pano cai a nódoa e o novilho da triunfadora ganadaria Murteira Grave foi ontem a fava da noite. Manso, andou mais em marcha atrás e a fugir da luta, do que investiu. Demorou a ser recolhido e teve mesmo que ser laçado. Com ele, o promissor novilheiro Joaquim  Ribeiro “Cuqui” não teve as mínimas opções de brilhar. Destacou-se na muleta pela entrega e pelo empenho em tentar sacar os passes que o novilho não lhe proporcionava. Ficaram alguns expressivos “derechazos”, ficou a vontade de “Cuqui” em confirmar a boa impressão que deixara na corrida de Manzanares. Mas sem matéria prima não se pode triunfar...
No que aos novilheiros disse ontem respeito, o êxito da noite coube em valoroso Diogo Peseiro, ajudado por um belíssimo novilho de Falé Filipe. Demonstrou atitude e muita vontade de chegar longe. Esteve bem com o capote, brilhante e emotivo com as bandarilhas, tércio que domina com poderio e na perfeição, e construiu depois uma artística faena com a muleta, com passes pelos dois lados e com mensagem: tem todas as condições para ser toureiro, assim tenha apoios. Vai-se radicar em Espanha e depois do que nos disse ontem já não há dúvidas de que, se a sorte o bafejar, pode ser a futura estrela do nosso toureio a pé. Peseiro brindou a sua faena ao Maestro Mário Coelho (muito aplaudido pelo público), que ontem comentava a novilhada com José Cáceres para o canal Campo Pequeno TV.
Sérgio Nunes, também antigo aluno da Academia do Campo Pequeno, como Peseiro, agora na Escola de Toureio de Madrid, está pouco rodado, mas é valente e tem ofício. Frente a um novilho da ganadaria Ribeiro Telles que transmitia pouco, andou esforçado e a querer, sem contudo conseguir a faena perfeita. Uma maior rodagem levará tudo ao lugar, porque valor não falta ao jovem toureiro.
Um grande par de bandarilhas de Pedro Gonçalves no novilho de Murteira Grave marcou a noite e fez toda a diferença, como sempre, no que aos bandarilheiros concerne. Ainda e sempre, o veterano Pedro a mostrar como é e a dar o exemplo aos mais novos. Fábio Machado cravou também dois bons pares nesse mesmo novilho.
Pegaram ontem três grupos de forcados dos menos vistos, que por isso mesmo terão aceite vir a Lisboa pegar apenas um novilho cada. Os três brindaram à dupla gerente da praça, Drª Paula Resende e Rui Bento, e as pegas resultaram perfeitas e sem dificuldades de maior.
Pelos Amadores da Azambuja pegou à primeira David Mouchão, bem ajudado pelos companheiros; pelos da Póvoa de São Miguel foi cara Fábio Madeira, também à primeira; e pelos Amadores do Cartaxo, o grupo mais recente admitido na Associação de Forcados, pegou à terceira Duarte Campino, se bem que a pega tivesse ficado aparentemente consumada na segunda tentativa.
A novilhada, nono espectáculo da temporada dos 125 anos do Campo Pequeno, foi bem dirigida por Manuel Gama, assessorado pelo médico veterinário Dr. Carlos Santos.
Houve momentos de bom toureio a cavalo, sobretudo com Correia Lopes e Soraia Costa, e de bom toureio a pé, com Diogo Peseiro. A novilhada foi agradável e interessante, o Futuro da Festa passou ontem pelo Campo Pequeno e o público veio apoiar os novos valores preenchendo quase metade das bancadas, vendo-se entre a assistência muita gente do mundo tauromáquico. Essa foi uma das notas mais positivas da nocturna de ontem em Lisboa.

Fotos Carlos Silva