quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Tarde de toiros de verdade e de respeito ontem em Alcochete: Prates chegou e disse "Estou aqui!"

Toureou assim, com esta emoção e esta verdade, António Prates ontem em
Alcochete. Mais um importante grito de alerta de um jovem que se está a
afirmar como um dos maiores valores da nova fornada de cavaleiros
A maestria de Rui Salvador venceu um toiro complicado e que se adiantava
barbaridades
Com um toiro exigente e a pedir contas, Sónia Matias esteve brilhante
Lide empolgante de Gilberto Filipe a um toiro fantástico de Sommer
Actuação de um tremendo valor a de Duarte Pinto ontem em Alcochete frente
a um toiro assassino a que deu a volta com uma superioridade reveladora
do grande toureiro e excelente lidador que é
Decidido e manifestando atitude, Jacobo Botero recebeu o quinto toiro com uma
emotiva sorte de gaiola e depois desenvolveu uma lide agradável e aplaudida


Miguel Alvarenga - Moralizado, confiante, bem montado e seguro das suas “máquinas”, embalado por recentes triunfos em Arronches, em Espanha, onde debutou no domingo saindo aos ombros e em Monforte, o jovem cavaleiro António Prates deu ontem mais um grito importante de alerta no último toiro da tarde em Alcochete, galvanizando o público com uma lide consistente e emotiva, sobretudo nos ferros curtos, que cravou em terrenos de compromisso e vencendo o piton contrário, entrando pelo toiro dentro com a ousadia e a verdade dos toureiros sérios e de risco. E tudo isto diante de um toiro-toiro de Sommer D’Andrade, a exigir, a impor respeito e a pedir contas. Um triunfo com um toiro assim tem outro sabor - e outro valor.
António Prates vai no caminho certo e aponta de tarde em tarde um futuro auspicioso. Caminha a passos largos e com uma espantosa serenidade para a glória, que não tenho dúvidas que alcançará - pelo seu mérito, pela bravura do seu toureio. Ontem em Alcochete o público saiu da praça a falar dele e do seu memorável triunfo.
Com meia casa e bem dirigida pelo exigente Pedro Reinhardt, que esteve assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva, a segunda corrida (terceiro espetáculo) da Feira do Toiro-Toiro, integrada nas portuguesíssimas Festas do Barrete Verde, ficou marcada pelo empenho e a entrega dos seis cavaleiros, pelo brilhantismo dos dois grupos de forcados (Évora e Aposento do Barrete Verde de Alcochete) e pela seriedade, exigência e emoção dos toiros de verdade (antigos Coimbras) do Engº José Luis de Vasconcellos e Souza d’Andrade. Quando há toiros de verdade, não me canso de repetir, a Festa reencontra-se, enaltece-se a sua essência e valoriza-se um espectáculo que vive essencialmente do risco, da emoção. Sem isso, quando não há toiros e quando tudo fica facilitado, a arte tauromáquica é apenas uma imitação dela própria e, aos poucos, o público vai-se afastando, desinteressado.
Ontem, não. Ontem, houve toiros de alto risco, toureiros de grande coração e forcados de um valor desmedido. Houve raça e houve alma. A Festa em Alcochete tem mesmo, como o empresário António Manuel Cardoso “Nené” se não cansa de apregoar, outro sabor. Bem diferente.
Apenas um senão: a ferragem. Já acontecera com Moura, com Telles e com Palha na primeira corrida de domingo, voltou ontem a suceder: não houve cavaleiro que não partisse ferros antes de os cravar e que não apontasse ferros aos toiros que lá não ficassem. Há qualquer coisa que não está bem na ferragem em Alcochete. Há que emendar.

Salvador e Sónia: lições dos veteranos

Agora os toureiros.
Rui Salvador começou meio desconfiado com o primeiro toiro de Sommer, que se adiantava barbaridades e nos compridos apenas cumpriu. Nos curtos, encastou-se, obrigou a fantástica Banda de Alcochete a tocar em sua honra e deu uma lição de maestria de quem pode com todos os toiros, melhor ou pior apetrechado de cavalos. Falta um craque a Salvador, já se entendeu isso há muito tempo. Mas sobra raça e valor a este toureiro de alma e por isso o toureio e a arte acontecem sempre, contra ventos e marés, Rui é um toureirão, um profissional de se lhe tirar sempre o chapéu.
Sónia Matias andou em baixo e voltou à tona depois de ter ultrapassado aquele que muitos apontavam como o seu Cabo das Tormentas, o desafio de enfrentar seis toiros na Nazaré. Esse triunfo revitalizou a valente toureira e ontem em Alcochete, diante de outro toiro de  Sommer que exigia e pedia contas, elas deu-lhas e deixou bem patente a sua raça de lidadora com uma actuação brilhante e arrojada.

Gilberto Filipe: grande lide

Gilberto Filipe tem toureado pouco esta temporada. É um equitador exímio e um toureiro com raça. O toiro era extraordinário e Gilberto entendeu-o na perfeição, lidando bem, cravando com emoção, bregando com saber.
Uma lide redonda rematada com mais dois ferros a pedido do público, que não o queria ver sair da praça.

Enorme Duarte Pinto com um toiro "assassino"

O toiro de Duarte Pinto era aquilo a que se pode chamar um verdadeiro assassino. O valente cavaleiro não lhe virou a cara, foi-se à luta, deu-lhe prioridade, aproveitou-lhe o som e o resultado foi uma lide de um tremendo valor, revelando um toureiro em grande momento de forma. E a tourear de verdade. Lide brindada ao Maestro José Lupi, que Duarte soube honrar com uma actuação muito importante. No final, recusou dar a volta à arena, merecidamente concedida pelo director de corrida, por considerar que não tinha alcançado um triunfo redondo. Chama-se a isso honra e dignidade. Grande Duarte!

Botero com atitude e muito querer

O colombiano Jacobo Botero continua em fase de se reafirmar, depois de ter dado uma volta de 360 graus na sua carreira. Mandou os bandarilheiros para dentro e fez uma sorte de gaiola emotiva, com toiros destes isso não é fácil, demonstrando atitude e querer.
Sofreu depois um forte encontrão, mas recompôs-se e desenvolveu uma lide agradável e com ferros vistosos, pondo emoção na lide de um toiro que também foi excelente.
Todos os seis cavaleiros tiveram música, ontem só faltou o reconhecimento do público ao ganadero - que merecia ter sido aplaudido na arena. Não se vêem todos os dias toiros a provocar tantos suspiros na bancada. A corrida estava bem apresentada, o terceiro e quinto toiros destacaram-se pela bravura, os outros tiveram casta e deram a emoção que faz falta à Festa. Houve verdade e houve seriedade.

Forcados em tarde para a História

E houve grandes Forcados! E pegas verdadeiramente memoráveis. Foi uma tarde de Bravos protagonizada pelos Amadores de Évora e pelos Amadores do Aposento do Barrete Verde de Alcochete.
Pelos eborenses, grande e dura pega do cabo João Pedro de Oliveira, à primeira, a aguentar derrotes e mais derrotes, um Forcado de eleição; outra de Miguel Direito, tecnicamente perfeita e com o grupo a ajudar muito bem, também à primeira; e a de Dinis Caeiro, à terceira, com um grande ajuda de Luis Miguens, que na primeira tentativa o tirou nitidamente da cara do toiro.
O Barrete Verde de Alcochete viveu também uma tarde de glória, mas dura. Abriu a sua actuação com uma grande pega de Diogo Amaro ao primeiro intento, que bem esteve e com que par de braços se fechou este fantástico forcado que este ano saiu em ombros pela porta grande do Campo Pequeno; a pega do cabo Marcelo Lóia ao toiro assassino lidado por Duarte Pinto e que levou quase meia-hora a ser colocado nas tábuas, dando água pela barba ao bandarilheiro Marco Sabino, foi um monumento! Violentamente derrotado na primeira tentativa, fechou-se com braços de ferro à segunda e dali mais não saíu, o toiro a derrotar e a derrotar e ele lá, que nem um herói, a fazer lembrar a sua histórica pega há três anos em Lisboa, coisa assombrosa, Grande Forcado! Volta à praça com o público de pé!
A última pega estava a cargo de Rui Gomes e foi também brilhantemente executada à primeira, com o grupo a ajudar coeso e bem.
Uma tarde grande de toiros, um naipe de bons cavaleiros e um jovem em grande destaque, António Prates deu ontem, repito, mais um importante grito de alerta. Vai ser um caso e é, da nova fornada de cavaleiros, sem dúvida, aquele que mais promete e que mais está a dar que falar.

Fotos Carlos Silva