segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Belíssimos toiros de Casquinha porporcionam êxitos notáveis em Vendas Novas

Quatro cavaleiros e duas cavaleiras, mais dois bons grupos de forcados, encheram
ontem as bancadas da praça portátil em Vendas Novas, onde não havia corridas
há nove anos. Um fantástico curro de toiros de Nuno Casquinha contribuiu
para o sucesso dos artistas numa corrida muito agradável
A arte e a maestria de um guerreiro: Rui Salvador abriu a
corrida com uma lide notável
Atitude e sede de triunfar marcaram a vibrante lide de Tito Semedo, um cavaleiro
com quase 25 anos de alternativa e que merece ser olhado de outra forma pelas
grandes empresas deste país
Excelente equitação de Gilberto Filipe faz toda a diferença
Com alegria e grande desenvoltura, Cláudia Almeida
(que substituiu Sónia Matias) chegou ao público, mas
esteve muito incerta na cravagem dos ferros
António Prates é um caso - e pode mesmo ser o caso por
que todos esperavam e que faltava ao nosso toureio a cavalo
Triunfo importante de Soraia Costa, a reafirmar ontem em Vendas Novas a
belíssima impressão que deixou na novilhada de Lisboa


Miguel Alvarenga - António Prates e Soraia Costa protagonizaram ontem os momentos mais calorosos e de maior emoção e aqueles que fizeram o público levantar-se das bancadas para os aplaudir, na entretida corrida que se celebrou em praça portátil em Vendas Novas, organizada pela empresa Toiros & Tauromaquia e que resultou agradável e de triunfo para todos os cavaleiros e forcados intervenientes, pela entrega e pelo labor de todos eles, mas em particular pelos toiros de nota altíssima e de excelente apresentação homogénea, da ganadaria de Nuno Casquinha, que no último deu merecida e aclamada volta à arena.
Corrida emotiva e realizada ainda sob o espectro da tragédia ocorrida na sexta-feira na Moita, a morte do forcado Fernando Quintella, por quem se guardou um respeitoso minuto de silêncio no início das cortesias.
O público aficionado e os próprios artistas vivem um momento de grande consternação e têm os nervos à flor da pele, pelo que se viveram momentos de dramatismo e angústia quando um forcado dos Amadores de Montemor, Diego Caeiro, que dava ajudas na primeira pega da tarde, caíu inanimado na arena. Felizmente nada de grave ocorreu, para lá do desmaio e de uma lesão no ombro. O forcado recuperou a consciência ainda na praça e foi depois conduzido ao Centro Médico de Vendas Novas, onde foi observado, seguindo depois para casa, em Évora.
Também Vitor Cardante, dos Amadores de Coruche, se lesionou ao tentrar pegar o quarto toiro da corrida, sainda da arena de maca, mas consciente, não tendo sofrido nenhuma lesão grave. A assistir à corrida estava João Mesquita, o forcado do mesmo grupo que há uma semana sofreu também uma violenta e dramática colhida na praça de Sobral de Monte Agraço, encontrando-se já recuperado e tendo sofrido apenas, como oportunamente noticiámos, um corte no sobrolho.

Há que repensar a Festa 
com urgência

Mas a realidade é que, pela recente morte de dois forcados no curtíssimo espaço de dez dias, se vive neste momento um clima de alta - e justificada - tensão de cada vez que saltam à arena os valentes rapazes das jaquetas de ramagens para enfrentar um toiro. E novos momentos de angústia se aproximam com o anúncio de toiros imponentes da ganadaria de Irmãos Moura Caetano (anuncia-se "o maior curro da temporada") para a corrida do próximo dia 29 em Évora (Forcados de Évora e de Alcochete) e com os toiros das temidas ganadarias Miura e Murteira Grave para dia 30 em Alcácer do Sal (Forcados de Santarém de Montemor).
Não que haja propriamente uma razão específica que explique os porquês das duas recentes mortes de forcados, terão sido meras coincidências terem ocorrido tão próximas uma da outra, mas a verdade é que, terminando a temporada, talvez seja oportuno - e necessário - meditar e repensar muita coisa na Festa e sobretudo no que à actuação dos Forcados diz respeito - a começar pelo mais que exigido melhor funcionamento e apetrechamento das enfermarias das praças de toiros.
Mas não só: talvez seja preciso rever também a actual situação das ganadarias e dos toiros. A morfologia de um toiro - qualquer veterinário explicará isso muito melhor que eu - não tem nada a ver com os pesos exagerados de 600 e mais quilos que nos dias de hoje ostentam os animais de muitas ganadarias... Andam a criar carne para canhão e quem paga - infelizmente, às vezes, com a própria vida - são acima de tudo os Forcados - que têm que começar outra vez a ser vistos e respeitados como os últimos grandes românticos da Festa e não propriamente como simples e aguerridos gladiadores. Adiante.

Grupos de Montemor e Coruche em tarde triunfal

As seis pegas de ontem em Vendas Novas, a toiros exigentes e cheios de pata, foram executadas pelos grupos de Amadores de Montemor e de Coruche, comandados respectivamente por António Vacas de Carvalho e José Macedo Tomás (de que publicaremos desenvolvida reportagem mais logo).
José Maria Vacas de Carvalho (quinta pega), do Grupo de Montemor e Tiago Gonçalves, forcado de Vendas Novas, membro do Grupo de Coruche (sexta pega) foram os autores das duas melhores pegas da corrida, ambas concretizadas com emoção ao primeiro intento, com os respectivos companheiros a ajudar em força.
Por Montemor pegaram ainda Bernardo Dentinho (primeiro toiro, à segunda) e João Calisto (terceiro toiro, à primeira). E por Coruche foram também forcados de cara João Prates (segundo toiro, à primeira) e Paulo Oliveira (quarta pega, concretizada à primeira, depois de uma tentativa de Vitor Cardante, que saíu lesionado, depois de sofrer um derrote altíssimo e se emendar com excelente técnica na cara do toiro, mas acabando por sair).

Veteranos em alta

No que aos cavaleiros diz respeito, o veterano Rui Salvador lidou brilhantemente e com a costumeira garra o primeiro toiro da tarde, de nota altíssima, a que deu uma lide acima da média e com ferros de muita verdade e emoção, pisando terrenos de compromisso, havendo a destacar a estreia de um novo cavalo que vai dar que falar nas mãos do consagrado toureiro de Tomar.
Tito Semedo entrou em praça decidido a triunfar e demonstrou atitude ao esperar o toiro, outro belíssimo exemplar da ganadaria de Casquinha, à porta da gaiola. Cravou os ferros compridos com rigor e aprumo e depois nos curtos brilhou em sortes cambiadas que emocionaram o público, estando também muito bem a lidar. Cumpre 25 anos de alternatina na próxima temporada e continuo a afirmar que Tito Semedo deveria estar presente em corridas e praças de maior importância - porque merece e tem valor para ombrear com os maiores. Brindou a sua lide a Mestre Luis Miguel da Veiga.
Gilberto Filipe, outro lutador, prima primeiro que tudo pela excelente equitação, que faz toda a diferença. Vi-o este ano viver uma tarde de grande triunfo em Alcochete. Ontem em Vendas Novas esteve diligente na brega e bem a cravar, se bem que tivesse havido demasiadas passagens em falso que retiraram algum brilhantismo à sua actuação. Mesmo assim, impôs a sua raça e esteve toureiro em todos os momentos.

Jovens afirmam-se e triunfam

Depois de um curto intervalo para regar a arena, actuou a praticante Cláudia Almeida, que veio substituir a anunciada Sónia Matias, afinal ainda não recuperada de uma lombalgia. A jovem toureira está bem montada, tem progredido, tem gancho e chega ao público pela sua desenvoltura e alegria. Esteve regular a lidar e muito incerta na cravagem dos ferros, falhando no final, por duas vezes, o par de bandarilhas, que a tem destacado em outras ocasiões. Há que frisar que o toiro, o mais complicado da corrida, também não facilitou a vida à cavaleira.
António Prates é a grande revelação desta temporada e ontem jogava em casa, diante do seu público, que o acarinha e vibra com as suas actuações. Está a revelar-se, mais que isso, está a confirmar-se como um caso e é já um dos mais emblemáticos cavaleiros desta nova geração que se seguiu à dos filhos das primeiras figuras. Tem uma quadra fantástica e nota-se consistência e tranquilidade em praça. Esteve notável nos compridos e subiu ainda mais o tom nos ferros curtos, com sortes de risco e emoção que levantaram o público das bancadas. Terminou a sua vibrante actuação com ferros de palmo e grande desempenho nos remates. Um triunfo memorável.
Soraia Costa reafirmou ontem a óptima impressão que me deixara na novilhada de Lisboa. Houve de início algum desacerto na cravagem dos ferros compridos, mas a toureira não desanimou nem tão pouco esmoreceu, antes se encastou e veio por ali acima numa lide em crescendo. O seu segundo ferro curto foi um dos grandes ferros da corrida. Estamos perante outra destacada revelação da temporada e uma toureira com pés para andar. Atenção a Soraia Costa! A jovem cavaleira do Norte tem sentido de lide, tem presença e respira arte por todos os poros, denotando uma rara intuição e deixando antever uma promissora carreira. Notam-se os frutos da aprendizagem que nos últimos dois anos tem assimilado junto do cavaleiro Manuel Telles Bastos. Vê-se e sente-se no toureio de Soraia a classe do seu mestre num toureio sério e de profunda arte, sem modernices nem números para inglês ver. Aplausos também para o fantástico toiro de Nuno Casquinha, ganadero que, volto a salientar, teve ontem uma grande tarde de triunfo. De grande nota os dois toiros primeiros, codicioso e a empregar-se o terceiro, mais reservado o quarto, de nota alta os quinto e sexto.
Bom desempenho de todos os bandarilheiros, com especial destaque para os consagrados J. Pedro Silva, Nuno Oliveira, Diogo Malafaia e João "Belmonte".
A corrida de ontem foi bem dirigida por João Cantinho, que esteve assessorado pelo médico veterinário Dr. Carlos Santana. O público preencheu três quartos das bancadas, uma boa entrada. Há nove anos que não havia uma corrida de toiros em Vendas Novas. Louve-se a iniciativa da empresa Toiros & Tauromaquia - a merecer repetição no próximo ano.

Fotos Carlos Silva