segunda-feira, 19 de março de 2018

Já não há muitos Homens assim

Numa das últimas corridas a que assistiu no Campo Pequeno, com sua
inseparável Mulher, a companheira de uma vida
A última grande homenagem no Campo Pequeno, em 2014, quando recebeu o
Troféu Prestígio outorgado pela empresa à sua histórica ganadaria. Em baixo,
com a administradora do Campo Pequeno, Drª Paula Mattamouros Resende
e o director de Tauromaquia, Rui Bento


Miguel Alvarenga - A morte do ganadeiro e coudeleiro - mas ele foi muito mais que apenas isso - Mário Vinhas (90 anos), apanhou-me longe do país, confesso que não propriamente desprevenido. Não era, não foi, a crónica de uma morte anunciada, mas todos sabiam que o seu estado debilitado, apesar da sua imensa lucidez, fazia prever o final de um ciclo que foi grande, foi intenso e marcou todos aqueles que tiveram um dia o privilégio de um privar com quem foi, na verdadeira acepção da palavra, um Grande Senhor.
A história da ganadaria, uma das mais emblemáticas do país, todos a conhecem e todos a descreveram já. Fundou-a em 1964 com seu irmão Manuel, prematuramente desaparecido em 1977 quando no Brasil procuravam refazer a vida que Abril lhes tinha roubado. A sua paixão pelo toiro e pelo cavalo Lusitano, de que foi também um dos mais famosos criadores, faz parte da História de um Homem que foi para todos uma referência. De bondade, de educação, de valores, de solidariedade - ajudou muitos e tantos, foi um mecenas das artes - e de portuguesismo.
Um dia mandou-me uma mensagem linda que nunca mais esqueci. Convidou-me para um almoço na Herdade de Zambujal, que por circunstâncias várias nunca se chegou a realizar. Manifestou-me a sua admiração pela minha luta ao lado de Vera Lagoa, nos tempos difíceis por que ele também passou, em defesa de um País que muitos teimavam em destruir, em defesa dos valores que ele sempre defendeu e que tantos, ao tempo, teimavam deitar por terra.
Mário Vinhas foi um grande ganadeiro, um grande coudeleiro, um Homem apaixonado pelo campo, pelo toiro bravo e por tudo aquilo que a Festa Brava simbolizava na cultura e nas tradições de um povo, Mas foi, acima de tudo, um Homem bom, um Grande Senhor, símbolo de uma era-outra, referência de uma maneira de estar e de ser que começa a ser rara - e merece não ser nunca esquecida.
A aficion prestou-lhe a derradeira homenagem em 2014 na praça de toiros do Campo Pequeno, quando a empresa o distinguiu, mais que merecidamente, com o Troféu Prestígio - que todos aplaudiram numa demorada e lembrada volta à arena que viria a ser a última.
Foi um Senhor que soube marcar a diferença. E que fazia mesmo gala nisso. Onde ele estava, estava o passado, estava a História, estava essa forma senhorial, de uma grandeza que também era humildade e ao mesmo tempo tão simples, de ser e de estar na vida - com um sorriso, com um gesto de bondade, com um olhar amigo.
Curvo-me perante a sua memória. Abraço, com um sentimento que já é de saudade e será sempre de respeito e de admiração, toda a ilustre Família Vinhas. E despeço-me com um até sempre. Já não há muitos Homens assim. E fazem falta. Fará muita falta.

Fotos Maria Mil-Homens e Emílio de Jesus